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A NOITE QUE DE NOVO VEIO AO MEU ENCONTRO –Santino Gomes de Matos

  • Maria Isabel Gomes de Matos
  • 8 de jul. de 2022
  • 2 min de leitura

Atualizado: 28 de abr.

Nas noites de minha vida,

uma treva maior e mais pressaga

enche aquela noite doente de malassombros.


O som de uma corneta boiava por sobre a calma estúpida da escuridão.

Não era, entretanto, o toque marcial de um clarim fustigante.

Era o som que rolava em notas sonâmbulas,

a me encher do horror supersticioso

do que esmorece,

do que sucumbe,

no desalento do fim.


Uma asa forte de vento batia,

com palpitação de cousa viva,

na laranjeira do quintal.

E as corujas do campanário próximo,

com ninhos por baixo do sino das almas,

que somente dobrava a finados pelos pobres, pelos miseráveis,

vinham rasgar mortalha debaixo da minha janela.


Crescia a noite rumorosa no meu pavor de criança.

Sentia em todos os ruídos e em todos os ecos

(a corneta, sempre a corneta de um soldado bêbedo tocando a recolher)

uma ronda ativa de espíritos inquietos,

em conspiração contra os meus nervos desvairados.


Depois, eram as doze horas, vagarosas,

compassando marteladas infindáveis,

no relógio da sala de jantar.


Cansado de tanto medo,

arremessava de mim a coberta protetora

e encarava a negridão da treva.

Tentava penetrá-la, numa afoiteza de perdido,

varejá-la nos seus duendes, nos seus fantasmas,

entregando-me à invasão do malassombro.


Há noites em que ainda ouço

o som espetral daquele toque de corneta.

Volta a bater, aflita, na minha lembrança,

a asa epilética do vento.

Um gargalhar de corujas ressurge dos ecos distantes...


Mas sou eu agora quem falto,

quem me ausento,

numa insensibilidade renegada.

Onde aquele medo, aquela alucinação doente,

que me punha em comunicação com

o Invisível,

o Misterioso,

o Insondável?

E eu sofro a dureza pétrea da minha vida material.


Do livro Procissão de Encontros

©2022 – Todos os direitos reservados. Permitida a divulgação, desde que citada a autoria.

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