AQUARELA VADIA – Santino Gomes de Matos
- Maria Isabel Gomes de Matos
- 10 de jul. de 2022
- 1 min de leitura
Atualizado: 23 de abr.
O urubu encarapitado na chaminé
modela para a eternidade
a ascese sombria da melancolia.
Destacam as pautas disponíveis dos fios elétricos
na icterícia do céu nublado.
Deviam enchê-las de notas de cantochão,
ou o estribilho crasso do "never more",
se o urubu filósofo não estivesse farto de Poe.
Mamoeiros convencidos tentam gestos de taças,
com um oferecimento grosseiro
dos talos longos e das folhas paquidérmicas,
em orelhas deformadas de elefantes.
Dá de passar um suspiro de brisa
carregando o canto de um pássaro engaiolado
que sublima, sem o saber,
a escravidão das asas inúteis,
em assobios impetuosos pelo espaço.
Uma neblina de fiapos d'água
arma véu de castidade
sobre o perfil carniceiro do corvo.
E o urubu, sem pretender a nenhum símbolo,
sendo apenas uma ave feia e sombria,
projetada na morte-cor maleitosa do horizonte,
continua a farejar carniça.
Com o máximo de agudez do olfato sacrílego,
continua a farejar carniça
na aragem escassa da manhã frustra.
Do livro Céu Deposto
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