DISCURSO – COLÉGIO DIOCESANO – SANTINO GOMES DE MATOS (PARANINFO)
- Maria Isabel Gomes de Matos
- 15 de mar. de 2024
- 7 min de leitura
Atualizado: 17 de out. de 2024
A generosidade dos moços possui o condão de todos os milagres. Entretanto, se o metal de inferior quilate vira ouro em vossas mãos, nunca se há de pensar em alquimias escusas, mas no poder solar da vossa generosidade, a cujo contacto tudo se transfigura, rebrilhantemente.
Eis o motivo da minha escolha como paraninfo desta solenidade. Eis o motivo de me ver levantado acima de mim mesmo, nas palavras de elogio que me dirigistes, com larga mão de doadores longânimes, a enfeitar de flores e guirlandas a estrada humilde e discreta de um destino que não almeja relevo.
Seria, contudo, profanar com uma inexatidão a sinceridade deste momento, caso vos dissesse que nunca sonhei com o laurel de igual recompensa.
Os mestres, ainda obscuros e humildes, nutrem sempre o ideal de alguma coisa de nós, do nosso coração e da nossa inteligência, como roteiro aos homens de amanhã, que buscamos afeiçoar, intelectual e moralmente, na juventude das escolas.
E embora não me houvésseis contado no número dos vossos professores, com certeza quisestes homenagear, nos meus quase trinta anos de magistério, a abnegação de quantos concorreram com seus ensinamentos, para a glória deste dia.
Não sei de outra razão, por mais que excogite, por mais que veja acrescentado, na refração do vosso pronunciamento generoso, o minguado cabedal de meus merecimentos.
E me solicitais uma palavra de direção e de conselho, justamente quando mais preciso se faz a tomada de consciência com um aspecto novo, diferente e perigoso da vossa carreira de estudantes.
Distinção e honra, por sem dúvida, que agradeço de toda a minha alma, mas perturbado do temor de pecar por falta ou por excesso, nas expressões do padrinho que não quer nem deve cingir-se à gratuidade de um discurso convencional.
A responsabilidade de falar aos moços constitui hoje a tortura de um drama de consciência, em que nos debatemos, solicitados de rumos diferentes, por vezes contraditórios, que geram indecisão e perplexidade.
Na quadra da vida que bem se definira ouro sobre azul, quando todas as ilusões se criam e se permitem, como condição natural do coração adolescente, espanejado de iriadas esperanças, parece que não devíamos perturbar de apreensões e incertezas, o tecido encantado dos vossos devaneios.
Cada fase da existência que fique com os percalços que lhe são peculiares, sem atribuições de responsabilidades graves que não cabem aos verdes anos, do mesmo modo que na idade madura o espírito fácil e leve se mostra em aberração caricata.
Por outro lado, no entanto, num país cujos horizontes de civilização ainda se ensombram co o índice trágico de mais de cinquenta por cento de analfabetos, há que considerar nos jovens que logram concluir o curso do Colégio uma elite intelectual, a quem se reserva situação de destaque no seio da sociedade, qualquer o gênero de atividades que escolhem.
Como, pois, vos haveria de falar em termos de poesia, num passeio alto de nuvens e de estrelas, se a vossa presença urge, decidida e enérgica, no chão de espinhos da realidade que trilhamos, apreensivos dos dias que correm, e mais ainda dos dias que hão de vir à nossa Pátria?
Período de transição, crise de crescimento, pouco importam os rótulos, as etiquetas, estão longe de definir a fisionomia íntima da tragédia nacional.
O gosto do cartaz e da frase de efeito faz parte do tecnicismo bastardo da propaganda, isto é, da trapaça erigida em regra de jogo, que é a maneira cômoda e irresponsável de seguir à deriva das correntezas da vida, sem preocupações maiores de esforço, na busca de um triunfo sem glórias.
Certamente, estais bem distante dessa configuração moral em que vemos retratar-se certa mentalidade de um Brasil hedonista, solto, flutuante, desarraigado dos seus princípios de religião e de civismo, sob pretexto de moderno, evoluído século XX.
Eis o perigo de que vos falava, meus caros amigos.
Até agora não vos faltou a assistência direta de mestres que não procuram apenas instruir, mas sobretudo educar, criando em vez de espíritos fátuos, enfeitados de erudição, personalidades vigorosas que assentam fundamento nas normas essenciais do dever e da honra, para que possam fazer bom uso das suas prerrogativas de saber.
Até agora nenhum conflito se estabeleceu entre o ambiente do lar cristão em que, por graça de Deus nascestes e vos criastes, e esta Casa abençoada, onde se aperfeiçoaram os vossos corações na prática da virtude, no respeito às obrigações morais e cívicas, sem o que o homem, por mais culto e cheio de sabedoria, jamais logra realizar-se em projeções de verdadeira grandeza.
Daqui por diante, porém, meus caros afilhados, transpostos os umbrais deste educandário, entrareis em contacto com um mundo diferente, desarmonioso, cacofônico, a investir com acentos irregulares e atrevidamente desafinados, contra a sinfonia interior das vossas convicções.
Não nos iludamos, com receio de parecermos pessimistas.
Na raiz dos males nacionais está a carência da educação religiosa. E quando jovens afortunados como vós, têm a felicidade de recebê-la, abeberando-se nos veios puros da verdade, já nos assalta o temor do choque dos vossos sentimentos cristãos com a aridez do agnosticismo que lavra por aí.
Em vez da continuidade almejada, quando transitais do Colégio para a Escola Superior, a menos que busqueis uma das poucas Universidades Católicas em essência, defrontareis com uma linha curva ou quebrada, forçando o desvio das vossas direções justas e certas.
É o professor universitário, que faz praça de independente e liberto, com um olhar de soberano desdém sobre o que chama velharias espirituais e, todavia, escravo cego e total do cientificismo, reduzido às limitações estreitas do que vê, do que toca e do que experimenta, homem que não ultrapassa a distância da própria sombra e, não obstante enfunado de soberbias, timpânico de convencimento, como conhecido galináceo que todos exprime num leque de penas rodado e em esturros guturais, sem contudo atinar como possa vencer o círculo de giz em que o aprisionaram.
É o colega, que desde cedo se dissipou na filosofia de vida do "dolce far niente", da habilidade desonesta de parecer sem ser, afinado pelo diapasão do utilitarismo, e por isso mesmo devoto da lei do menor esforço, que transforma em norma suprema de ação.
Que não se lhe fale em obrigações morais e cívicas. Uma ponta de riso escarninho lhe pungirá os lábios, sardonicamente. Que não se lhe recorde a sua qualidade de cristão, pois desfechará em gargalhada franca, sublinhada que não está para ultramontanismos na era atômica.
Não estuda, não trabalha, não crê, não ora, não tem ideal próximo ou remoto, dentro de um pensamento mais profundo ou de uma forma de esforço mais positiva. É um composto de leviandades, exterior e interiormente, um perdulário do tempo, nos bares, nos clubes, nas noitadas inconfundíveis. Busca um diploma não com o propósito de exercer uma profissão nobilitante, mas com um enfeite de vaidade, e também como carta de alforria de sua precariedade de caráter, da sua insignificância intelectual e moral, que as letras fascinantes de um Dr. tão bem disfarçam aos olhos de muitos.
Por último, sem querer alongar-me no retrato moral de tantos outros, que ficam num meio termo de indecisão, nem bons nem maus, acomodados numa neutralidade cinzenta, espécie de catavento, ao sabor de qualquer aragem mais forte, convém salientar a falange aguerrida e prodigiosamente atuante dos adeptos de doutrinas totalitárias.
Se russófilos, campam de materialistas, desdenham Deus e Pátria, acham que a religião é o ópio do povo, coo dizia Lenin, e isto de conduzirmos o pensamento sagrado de uma não livre e independente, não passa de romantismo risível, nos planos avançados de um mundo sem fronteiras sob o signo da foice e do martelo.
Se totalitários da direita, embora desfraldando o lema sagrado – Deus, Pátria, Família – mal conseguem disfarçar, na cortina de fumaça dos sofismas, uma intenção de consciências aprisionadas, de rebanhos humanos dirigidos pela vontade formidável de um chefe, cuja figura carismática, imposta a um respeito fanático, somente permite inclinações submissas e rastejantes.
Aí está, meus jovens amigos, em traços gerais, o ambiente espiritual de quase todas as escolas superiores do Brasil, com a fauna humana mais heterogênea e contraditória, onde infelizmente são poucos os promontórios de elevação moral, entre moços que cultivam o erro da sobranceria acadêmica, com vestes de importância muito mais buscadas do que reais, em detrimento da alma de virtuosa fidelidade à educação cristã do lar.
Quantos e quantos são os que perdem a fé, desgraçadamente por toda a vida, porque se deixam impar de presunção, seguindo o exemplo dos que blasonam a superioridade ridícula de ateus, ou materialistas ou indiferentes?!
Começam as pobres vítimas de tão estólida vaidade, pela fraqueza de se envergonharem das próprias virtudes perante censores de entorno grosso, mas cujos juízes críticos não valem um caracol, e acabam mesmo na esterilidade do cepticismo, a sacrificarem nas aras impuras da corrupção, oferecendo o espetáculo confrangedor do regresso da alma cristã às trevas da paganização.
É contra semelhante escolho, que vos previno, concluintes do Colégio Diocesano de Uberaba.
Não nego que a vossa posição será de resistência, porventura de resistência desenganada, como quem luta em quadrados fechados contra inimigos avançados de todas as direções.
Torna-se preciso, entretanto, hoje mais do que nunca, que os universitários assumam um papel de heroísmo, para restabelecer num ambiente quase sem acústica, o tom de elevação de vistas e de ideais, que já soa aos ouvidos do Brasil com as lonjuras de uma ária perdida.
Ai de nós, se as gerações moças nos faltarem com uma ação catalítica no meio social que se dissolve, pelo "triunfo da porosidade, pela recompensa do vazio!"
Ai de nós, se não contrapuserdes a verdade da vossa personalidade isenta, capacitados do que deveis e podeis, na couraça de luz das vossas virtudes cristãs, contra o mar de mentiras em que nos afogamos.
Ainda bem que não nos faltareis, meus jovens afilhados!
Tenho esta certeza e daqui a proclamo, ungido do entusiasmo espiritual desta festa, quando vinga novo cimo da vossa carreira de estudantes, para mais altas e vitoriosas arrancadas.
Não decepcionareis os vossos mestres, estes admiráveis Irmãos Maristas, depositários do espírito do Venerável Pe. Champagnat, que caminha para a glória dos altares no esplendor de virtudes excelsas, as mesmas virtudes que os maristas cultivam e desvelam, como educadores incomparáveis, numa seara imensa de benefícios ao Brasil, que os glorifica no respeito, na admiração e no reconhecimento de várias gerações.
Não decepcionareis os vossos pais, que se reveem jubilosos, no vosso magnífico triunfo de hoje, mas esperando que se prolongue em outras vitórias, amanhã, se preserverardes nos princípios de fé estabelecidos em vossos corações.
Perseverança – eis a senha luminosa que vos deixo como palavra final.
Perseverança, por vossos Mestres, por vossos Pais, pela Pátria, por Deus.
Discurso publicado na revista "Diocesano" nº 38

