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RESERVISTAS – DISCURSO DE PARANINFO – SANTINO GOMES DE MATOS

  • Maria Isabel Gomes de Matos
  • 2 de fev. de 2024
  • 5 min de leitura

Atualizado: 21 de out. de 2024


A parada de civismo que neste momento aqui nos congrega, configura palpitação mais viva e mais intensa da nossa fé patriótica, da nossa unidade de espírito e de coração em torno do ideal do Brasil.


Esta solenidade, que é mais do que um preito, do que uma oferenda simbólica, porque é a própria afirmação de uma força que se levanta e que se mostra no espetáculo de formatura das reservas da pátria. Este dia, que doravante se marcará no nosso calendário cívico, como um toque de clarim propagando-se em todas as direções, para acordar a nossa vigilância em posição de sentido.


Todo o esplendor das festividades que nesta mesma hora se realizam, ainda nos mais escondidos e humildes recantos do território nacional, está colocado sob a invocação de um nome, está presidido pela sombra luminos de uma figura que soube ser, em vida, um dos mais elevados cimos da nossa poesia e do nosso patriotismo – Olavo Bilac.


Maisuma vez, depois de Castro Alves, o vate incomparável da libertação dos escravos, outro filho das musas desmentiu o conceito ainda vigente entre nós de que os poetas são, por assim dizer, criaturas extra-humanas, que vagueia num clima de abstrações, perdidos na miragem das suas fantasias e dos seus encantamentos longínquos, sem poderem apanhar o sentido agudo das realidades ambientes.


Bilac, que amou sobretudo a Beleza, que sabia fazer baixar à terra o sonho de ouro das estrelas, em estrofes da mais apurada perfeição artística, que afinou a sua lira de cordas mágicas ao diapasão de todos os sentimentos humanos, reduzindo-os à esteia das imagens deslumbrantes; Bilac, mais do que qualquer outro, parecia trazer na essência de sua própria personalidade um destino de fuga ao terra a terra da vida e à incapacidade de preocupações diferentes daquelas da sua intimidade com os astros, com as coisas profundas de beleza e de mistério. Entretanto, o mundo de maravilhas que o poeta criou pelo poder da sua imaginação, nos domínios da arte pela arte, de nenhum modo conseguiu substituir aos seus olhos as visões da terra dos seu berço, nem diminuir a força de alma com que amava apaixonadamente o Brasil.


Perlustrando-lhe os caminhos de poesia até as nascentes da sua obra extensa e rica dos filões mais puros da noss inspiração lírica, vemos que Olavo Bilac sempre teve presente o sentido da pátria nos seus carmes deliciosos. Mas tudo se reduzia a devaneios como a tantos outros já acontecera antes, ao procurarem motivos de enfeite pictórico, na exaltação dos cenários naturais da nossa terra. As pequeninas flores que repontavam aqui e ali, como oferendas delicadas da musa bilaqueana ao Brasil, estava longe de revelar o vulcão de civismo que lhe dormia no íntimo e que um dia havia de derramar-se em lavas candentes e avassaladoras, numa das maiores campanhas patrióticas que já se fizeram em nosso país.


Olavo Bilac apenas aguardava o instante psicológico, no seio das massas, para o arremesso atrevido do seu apostolado, na tentativa quase sobre-humana de sacudir a estagnação da noss indiferença, de levantar as nossas forças morais e adormecidas, de converter-nos outra vez à crença quase moribunda nos destinos de grandeza do Brasil, de curar o ranço de pessimismo na alma de uma geração precocemente cética e desiludida, e, ao brado vigoroso de um "Sursum corda" apontar-lhe a direção das alturas.


A conflagração eurupeia de 1914, que abalou todos os princípios de estabilidade do mundo até então conhecidos, pôs também frêmitos de inquietação na água parada e mora das nossas convicções apativas. A alma nacional entrou de agitar-se, sentindo que não era mais possível a atitutde de um conformismo quase falatista, em face dos acontecimentos por vir, quando os próprios fundamentos do mundo pareciam sacudidos aos efeitos de tremendo cataclismo. Não obstante, só a confusão e o tumulto se podiam gerar nessa ânsia de novos rumos e de novas diretivas, desde que nos faltava o traçado de um plano, de um roteiro, aindo o mais simples, que pudesse encaminhar a hesitação dos nossos passos.


Foi quando, a 9 de outurbode 1915, na Faculdade de Direito de São Paulo, a ternura filial de Olavo Bilac pelo Brasil se manifestou na oração inicial da sua campanha civilista, que era ao mesmo tempo um brado de alerta e um toque de reunir sob a bandeira que desfraldava, alta e luminosa, em nome de todos os ideiais de brasilidade. E o milagre se deu.


A cada novo discurso, a cada nova oração, no Rio, em Minas, em São Paulo, em toda a parte, enfim, por onde passou o verbo candente, desabrochavam as sementeiras de fé da sua palavra, em organizações de entusiasmo cívico e patriótico, que havia de contagiar a Nação inteira. E, como bem disse Amadeu Amaral, resumindo em página magnífica os frutos dessa campanha memorável: "reconciliou-se a Nação com as armas. A conscrição foi aceita. Os quartéis, atingidos pela onda reconfortante da solidariedade pública, assearam-se, arejaram-se, cresceram e, escancaradas protas e janelas, varados de ar e de sol, ressoantes de hinos e de clarinadas, se puseram em comnicação aberta e tranquila com o exterior. Multiplicaram-se as linhas de tiro.


Os militares puderam dirigir-se ao povo sem correr risco de os não requerem ouvir ou de os quererem desrespeitar. As noções de defesa indispensável de dever civil entrelaçado ao dever militar, de sacrifício voluntário e jovial das comodidades, em favor de um desígnio coletivo, todas essas ideias tão antigas e tão repetidas, Bilac as condensou nalguns períodos de prosa singela, desempeceu-as de equívocos, aligeirou-as de inutilidades, deu-lhes um jeito, estirou-lhes duas asas: a asa da beleza e a asa do sentimento – deu-lhes as retrizes da ternura e do entusiasmo, soltou-as no ar e elas ficaram voando, e entre voos e cantos se multiplicaram e encheram os ares do Brasil infinitas revoadas.


Pois bem, meus senhores, essas revoadas chegaram até nós. E agora que entramos num período de plena reconstrução nacional e contemplamos o Brasil reavivado na sendo dos seus verdadeiros destinos, é preciso que testemunhemos ao imortal Bilac as honras de pioneira da nossa confirmação patriótica. Ainda marchamos dentro do ideário que o seu verbo fulgurante promoveu no sentido da mística do Brasil. Neste instante, mais cônscios de nós mesmos, mais seguros das nossas responsabilidades e dos nossos deveres, mais próximos, por conseguinte, dos ideais da sua predição em favor da unidade espiritual da Pátria.


Milhares de reservistas, hoje, se reúnem sob a invocação de um nome que se transformou num dos gênios tutelares da nacionalidade, onde quer que se fale pelo Brasil, para as reivindicações de sua grandeza e da sua glória, para os movimentos de solidariedade da sua força. Não é preciso o milagre da ressurreição material para que sintamos a presença de Bilac entre nós. A sarça ardente emq ue se abrasou o seu coração ainda é o mesmo fogo sagrado que neste dia aquece as nossas almas e acende as luminárias da nossa fé, para o juramento solene de seguirm, impávidos e destemidos, quaisquer que sejam os sacrifícios a vencer e os perigos que afrontar, a esteira de luz do exemplo que ele nos legou, acordando "rufos de febre em todos os pulsos e estos de paixão em todas as almas", em nome do amor do Brasil. Bilac!


Nota: Olavo Bilac (1865-1918), um dos poetas mais relevantes da Língua Portuguesa, teve papel fundamental no Exército Brasileiro. Além de escrever a letra do Hino à Bandeira, Bilac, nos anos de 1915 e 1916, empreendeu peregrinação pelo País em ampla campanha nacionalista, conscientizando os brasileiros da necessidade do serviço militar obrigatório, pregando a verdadeira cidadania.O Dia do Reservista é comemorado no dia 16 de dezembro, em homenagem ao poeta, patrono do serviço militar.




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