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DISCURSO – PARANINFO – FORMATURA – COLÉGIO DO TRIÂNGULO MINEIRO – SANTINO GOMES DE MATOS

  • Maria Isabel Gomes de Matos
  • 3 de fev. de 2024
  • 8 min de leitura

Atualizado: 13 de out. de 2024

Discurso proferido em 7 de dezembro de 1962

Aqui estou convidado paraninfo desta solenidade, a receber homenagem tão grata quanto desvanecedora, que considero, entretanto, menos minha e mais muito mais do corpo docente do Colégio Triângulo Mineiro, a quem unicamente cabe com exatidão e justiça.


Não foi outro o ânimo e a intenção com que a recebi. Qualquer um que fosse dos meus ilustres companheiros de docência nesta Casa, fosse quem fosse, entre os que labutamos os velhos trabalhos e as lutas reiteradas de impenitentes mourejadores do Magistério, ou a escolha recaísse nos mais novos do luzido quadro de colegas, uns e outros de indiscutível competência e profundamente identificados com a causa da instrução e educação da juventude, em qualquer hipótese, o espírito deste discurso seria o mesmo, na definição das ideias e na informação dos conceitos, embora revestidos de palavras diferentes.


O estabelecimento de ensino que Mário Palmério fundou em Uberaba, como pedra angular da monumental arquitetura da Universidade do Triângulo Mineiro, que já se configurava nas visões do futuro desse arrojado criador de civilização, o nosso, o seu Colégio possui fisionomia própria, uma alma sua, peculiar, que todos nós lhe afeiçoamos e compusemos através do tempo, e em cuja sustentação paladinescamente nos empenhamos. E não digo do habitual, senão do raro, do incomum, do quase inaudito.


Formamos os professores do Colégio Triângulo Mineiro uma perfeita comunhão de amizade, sem embargo dos temperamentos diversos, dos pontos de vista muita vez antagônicos sobre religião e política, que, no entanto, se harmonizam e se dissolve no denominador comum do bem da Pátria, pelo aperfeiçoamento intelectual e moral das novas gerações. É de ver e admirar o que vai na sala de professores do Colégio Triângulo, quando as discussões se desdobram largas, com razões sustentadas de cá e de lá, num esgrimir formidável de porfia sobre os mais variados assuntos. Eletriza-se o ambiente e é comum, no intervalo das aulas, que a reunião assuma aspectos de assembleia política, na apreciação de problemas de viva palpitação nacional. Mas o que predomina nesse "entreveros" é a mais ampla, a mais cabal liberdade de pensamento e de palavra, dentro de um sentido de compreensão e de respeito mútuo, que admira e edifica.


Refiro o episódio da vida cotidiana do Colégio, porque nenhum outro que melhor defina o espírito e o propósito do estabelecimento em que concluís os estudos de humanidades.


Habituados vocês foram, meus caros diplomandos, a um debate libérrimo de ideias e de princípios, sem limitações sectárias, sem antolhos de visão que encurtassem os horizontes ou induzissem a clausura de conscienciais aprisionadas. Ocultar ou subtrair do todo da Verdade a parte que menos convém saber, por amor a pretendidos escrúpulos, já não se compadece com as direções da moderna pedagogia. A orientação que nenhum mestre digno deste nome pode negar aos seus alunos, vocês o tiveram no Colégio Triângulo.


Abertas todas as luzes, ponderada em balanças de variados calibres, o objetivo do nosso ensino e da nossa educação nunca foi criar autômatos, e sim personalidades capazes de deliberar e agir por si mesmas.


Relembro que não poucas vezes vocês ouviram, num mesmo dia e numa mesma sala de aulas, na sucessão de cátedra das varias disciplinas do currículo, pareceres diversos, até mesmo contrários, diametralmente opostos, acerca de assuntos de grande curiosidade e interesse para vocês. E os que sobre-estavam, na perplexidade de uma conclusão, apanhados no gume de um dilema difícil, senão assoberbante, se no momento podiam confundir-se, impelidos em direções opostas, mais tarde penetravam o alcance pedagógico da escolha, com os recursos do próprio raciocínio e da própria inteligência.


Talvez arguam o método de perigosos e improducentes, por gerar dúvidas, em vez de cimentar certezas, melhor direi, pretensas certezas, desde que não há identificá-las e muito menos impô-las no terreno das opções.


Quero levar mais longe a minha resposta à objeção dos que preconizam o aluno dirigido na sua inteligência e na sua sensibilidade, assim uma espécie de disco virgem em que o mestre grava impressões escolhidas de acordo com preferências pessoais, matéria plástica que a mão do modelador afeiçoa ao bem prazer. Nada de iniciativas próprias, nada do menor toque de originalidade, e se houver um impulso de independência acima do teto de preconceitos que se marcou, faz-se mister abafá-lo em nome da disciplina, como se aparam as asas dos pássaros que querem voar inconformados com as dimensões dos viveiros domésticos.


Francamente, não sei de maior atraso, de erro mais clamoroso, nos métodos de ensino entrenós. O discente, em última análise, reduz-se a repetido de lições, reproduz com uma docilidade de mola de realejo, as páginas dos compêndios. E é desses exímios papagueadores, perros como uma cravelha em cederem a menor ideia por conta própria, para me servir da imagem justa de Raul Pompeia, mas prontos a desfechar em ritmo de metralhadora as lições aprendidas de cor - é dessas tristes vítimas do método carrança da memorização, que se fazem os campeões da aplicação e da sabedoria, para apresentá-los como paradigmas e coroá-los com notas excelentes nos exames de fim de ano.


E aquele que devia sair da escola armado de ponto em branco para as conquistas da vida, porque ciente dos problemas da família, da sociedade, da Pátria, vistos e examinados por todos os ângulos, somente conta para as suas despesas, no encaminhamento de destino social por conta própria, com um acervo de teorias, teorias e mais teorias, às vezes tão desatualizadas, que o pobre expositor parece ter surgido da tenda de Abraão.


Muito diferente desse clima de artificialismo, de certo foi o que vocês tiveram distintos diplomandos, na Casa de Ensino que D. Olga dirige com proficiência e abnegação. Por isso mesmo não me estranham um discurso sem galas acadêmicas, sem florões de retórica, ou remígios encantados de poesia, tão ao gosto de solenidades iguais a esta.


Prefiro continuar aqui o diálogo que vimos travando desde o início do ano letivo, e cujo assunto central sempre foi o Brasil, estudado na língua e nas letras, pelo programa de português e de literatura, e também abrangido na visão panorâmica dos seus problemas, pois a tanto obriga inalienável dever patriótico. Insisto naquela firmeza de atitudes que tanto reclamei de vocês, como nota viva da personalidade, em marca franca, abertamente declarada.


O momento é de definição, não comportando neutralidades, nem tampouco omissões comodistas. O que aí vai em alarido e confusão, por mal dos pescadores de águas turvas, não deve afugentar e muito menos fazer temer os verdadeiros patriotas. Realmente, tudo se quer em tumulto de vozes gritadas e de gestos espalhafatosos, para disfarçar e esconder uma mola falsa de interesses inconfessáveis.


De um lado a gente que se comprometeu com a insígnia sinistra da foice e do martelo, os russófilos de epiderme, sem nenhum lastro de convicções, que pregam o credo vermelho, rodando em cadilacs e residindo em palacetes de luxo. São comunistas por conveniência de posição e de dinheiro, e enquanto advogam a eliminação das injustiças sociais, dão, eles próprios, um exemplo altamente perjuro em face da doutrina que pretendem impingir aos incautos.


Por outra parte, vemos os anticomunistas, não porque desejam preservar os destinos livres do Brasil, mas em projeção cavilosa, do próprio egoísmo, receosos de que uma mudança de regime os prive dos vícios nobres da riqueza, do luxo, da magnificência, como senhores absolutos dos bens da vida.


Entre uns e outros, russófilos e americanófilos, que se digladiam um jogo indigno e mercenário, intrujando e mentindo, lançando mão de reivindicações sagradas, para atender aos apetites depravados do lucro pessoal, não é possível que não bradem as consciências retas, que não se movimentem em reação pugnaz, os que têm no coração o sentimento puro do Brasil puro e autêntico, nosso, nossíssimo, nas suas prerrogativas de soberania e autodeterminação, que somente serão verdadeiras, reais, indiscutíveis, quando nos redimirmos da dominação econômica que nos degrada e avilta.


Não tenham receio, meus caros concluintes, se os acusem de reacionários entreguistas ou de "vermelhos". De nenhum modo pode-se admitir como solução aos problemas nacionais a violência, a falta de liberdade esmagadora do tacão de bota soviético. Da mesma forma, não se pode admitir que ofereçamos pulsos humildes aos grilhões do predomínio econômico do capitalismo agressivo.


A minha voz, bem o sei e aqui proclamo, assusta como nota de guerra numa melodia de sustenidos. E é esdrúxula, e é quase sacrílega, no coro da propaganda ianque ou na propaganda cubana. Porque – atentai bem o dilema sub-reptício e manhoso – ou o Brasil continua colônia dos banqueiros de Wall Street ou o uros das estepes nos estrangulará com as suas garras. Não existe outra alternativa no antro dos interesses grupalistas, onde se repartem os despojos da Pátria?


E é do fundo de velhos complexos de inferioridade, do tempo em que a nossa capacidade de progresso e de civilização ainda constituía uma hipótese, que se alteiam as interrogações do nosso descrédito: Quem somos? Que valemos? Que podemos fazer entregues à própria sorte?


A resposta a essa interpelação do pessimismo sois vós mesmo, meus caros afilhados, é a juventude que se esclarece pelo estudo e se arregimenta pelo ideal, para intervir com as forças da inteligências e os propósitos do coração, na tarefa ciclópica, mas não irrealizável, mas não impossível, de arrebatar os destinos do Brasil às mãos cúpidas de exploradores internos e externos, torpemente mancomunados.


Sois vós que haveis de sanear os pântanos da política nacional, trabalho de Hércules, por sem dúvida, e ainda mas heroico do que o da limpeza das cavalariças de Augias, entretanto, necessário, imprescindível, para desempestar o ambiente de um fermento pútrido de corrupção.


Não é preciso recorrer ao suicídio político dos extremismos da direita ou da esquerda, se nos horizontes alvorece uma mentalidade nova, se a juventude das escolas, esclarecida e educada nos sentimentos do Brasil, vendo em si mesma a própria medida da grandeza da nação, pelo inteligência, pela cultura e pelo trabalho, nos garante dias melhores, e é penhor certo de que não faltarão mãos sagradas para os azorragues que enxotem vendilhões do nosso templo democrático.


Eis os augúrios luminosos com que enfeito esta hora. Eis as consolações cívicas do seu padrinho. Do recinto de festas desta sala, do encanto das flores, da música, em consonância harmoniosa com a alegria de seus pais e mestres, que assistem ao coroamento de uma um triunfo de vocês, do âmbito desta solenidade tão suavemente grata, em que parece não caberem senão as vozes de emoção dos corações confraternizados e entendidos, deixai que eu projete para mais longe, para a grande vida, um pronunciamento de consciência rave e severo, um compromisso de fidelidade irrecusável à redenção política e econômica do Brasil.


Ide, na caminhada de luz de seus destinos, transitem daqui para as escolas superiores, acrescentem novos louros ao deste dia, honrando as aspirações supremas de seus pais e mestres, sob as bênçãos de Deus.


Mas não percam de vista o Brasil, não se desviem da vocação da cavaleiros da Fé e do Ideal, por um país que se levante na posse de todo o seu poder, livre das influências dominadoras que o esmagam e o espoliam ou querem tolher liberdade em nome de fantasias.


E quando nos trilhos da corrupção política algum trem pagador ensaiar a corrida da venalidade e da bandalheira, tripudiando sobre a pobreza e a miséria do povo, seja a sua a mão potente e resoluta que o faça parar, seja a convicção dos valores morais, acima da conveniências degradantes do ouro, que se escute no seu pronunciamento corajoso e direto.


Meus jovens amigos, crescei na glória da inteligência e da cultura, para a sua projeção no Brasil e para a projeção do Brasil no mundo, dentro da destinação de grandezas que as suas possibilidades lhes garantem.


Sejam felizes, meus caros afilhados!



















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