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DISCURSO DE PARANINFO – FORMATURA DE NORMALISTAS DE SEGUNDO GRAU – SANTINO GOMES DE MATOS

  • Maria Isabel Gomes de Matos
  • 17 de mar. de 2024
  • 9 min de leitura
Discurso proferido em 15 de dezembro de 1937

A melhor maneira de agradecimento que encontro para corresponder à delicadeza desta homenagem, ao ser escolhido como paraninfo desta solenidade, é tirar todo o efeito emocional contido na simplicidade de um "muito obrigado" e endereçá-lo aos vossos corações, como uma mensagem singela e comovida, transportada nas asas leves da gratidão.


Distintas normalistandas.


O pórtico de um mundo novo abre-se, hoje, de par em par, à vossa frente. Ainda estais integradas no ritmo da vida escolar, ainda vos sentis dentro do ambiente de amizades fraternas em que vinheis seguindo, de braços dados, a vocação do mesmo ideal e da mesma fé. Entretanto, uma grande e incoercível saudade já vos cresce do âmago do coração e vem servir de moldura sentimental a esta festa de júbilos triunfantes, em que se coroam os vossos esforços e merecimentos, com o galardão de um diploma dignamente conquistado. A hora é de despedidas, de separação e de adeus. Numa antecipação nostálgica dentro das vossas almas, a poeira de cinzas do passado já envolve as claras alegrias entre mestres e condiscípulas, os dias ruidosos e leves, nessa despreocupação dos que se sentem orientados e conduzidos e, por isso mesmo, podem às vezes, pagar-se com levezas, as horas de pensamento , de estudo e de meditação.


Completou-se um dos ciclos da vossa existência. A vida que não passa de uma sucessão contínua de cenários, fez cair mais uma vez, o seu pano de boca solene e irremissível, ocultando-vos agora o palco de representações do vosso mundo escolar, tão cheio de encantos aprazíveis, de contentamentos puros, a despeito dos percalços da responsabilidade e do dever. O grande mar vos solicita. Depois de um longo estágio de preparação, força é já partir do porto ameno e tranquilo, donde mal divisáveis, apenas por necessidade do conhecimento, as borrascas e os maremotos, a fúria dos ventos desencadeados e o ímpeto das ondas, fervendo nos escarcéus.


Talvez tenha para vos a limpidez de uma verdade indubitável, o enunciado já hoje clássico, de que a escola não é a preparação para a vida, mas a própria vida, apanhada em todos os seus aspectos e circunstâncias. Não nego o fundo de utilidade semelhante conceito. Mas, nem por isso, deixarei de consignar a feição inconfundível da realidade em ponto grande, cheia de imprevistos, de surpresas de tal ordem, que a imaginação mais portentosa não seria capaz de igualá-la , quanto mais de elencar-lhe a palma, em variedade e colorido.


A arena dos lutadores, em chão raso, mão a mão com as dificuldades e os perigos, é bem diferente do clima artificial que se procura criar, para efeitos de uma experiência antecipada. Por maior que tenha sido o vosso tirocínio, por mais chegadas que procurásseis estar dos arcanos da vida para conhecer as suas profundezas, não passastes, até agora, de meras espectadoras, a quem a observação da distância talvez levasse a enganos deslumbrantes de miragens ou ao grande assombro das visões dantescas que estarrecem de pavor.


Numa ou noutra hipóteses, o certo é que ainda trazeis a alma isenta das tatuagens de fogo produzidas pela participação direta nos acontecimentos, ao sol cru das planícies de combates, de refregas, de perigos e de sacrifícios.


e por isso, fiarei menos de vós. Nem por isso, havereis de encarar de ânimo entibiado a soma das dificuldades que ferirão de espinhos a senda do vosso ministério. Eu bem sei a têmpera de aço de que vos vem sendo trabalhada a personalidade e o caráter. Estais de ponto em branco armadas para vencer, com triunfo tanto mais luminoso, quanto mais árduas e remidas as pelejas e porfias. E é este o motivo por que não me arreceio de trazer para um ambiente assim faustoso de graças e de contentamentos amoráveis, as visões de uma época atormentada, sacudida de convulsões, gangrenada de misérias, crucificada no potro de todos os flagelos, que são, por assim dizer, o tributo faraônico que a humanidade paga a este século de civilização superlativa.


Nunca, em nenhum outro momento da história do mundo, as conquistas do progresso material atingiram igual fastígio e esplendor. O gênio das invenções, o aproveitamento de descobertas estupefacientes, nem sequer sonhadas pela imaginação dos povos antigos, criaram para o homem um padrão de vida incomparavelmente superior a todos quantos já teve nas eras pregressas.


Infelizmente, na medida direta do luxo e do conforto, cresceram as ambições, a loucura dos prazeres e dos gozos sibaritas, e, no entrechoque das mãos estendidas ao mesmo fruto, geraram-se as dissenções e as lutas, cavaram-se os abismos de ódios entre classes, e as ideologias malsanas foram ressuscitadas do fundo negro das trevas onde jaziam, impraticáveis e inúteis, para servir de bandeira às agitações sociais, às convulsões violentas da guerra civil, às atividades diabólicas da anarquia. O homem perde de vista o sobrenatural. Anula a parte nobre do espírito que o anima e deve dirigir, nega a si mesmo as prerrogativas de um sentido superior de moral e afunda-se num oceano de materialismo, procurando confundir-se na massa dos elementos inconscientes que obedecem ao mecanismo de leis naturais inevitáveis e irrecorríveis, e entrega-se ao impulso dos instintos, como norma de ação e diretriz única da sua existência.


O ideal humano colocado, assim, dentro de horizontes próximos, para uma conquista fácil e imediata, nas satisfações da vida objetiva, nunca esteve tão longe de ser atingido, sob a forma sedutora da felicidade. O cientificismo não produziu o milagre de reforma da espécie humana, de acordo com os princípios da bondade, da justiça e do direito. E a negação de Deus, o seu afastamento violento dos corações, trouxe como consequência o extravio dos espíritos num sem conto de sistemas e doutrinas que se chocam, se repelem ou se confundem, num verdadeiro pandemônio. O homem passou a ser o centro de gravidade do seu próprio destino. Rompeu as leis da conformação em torno de um ente superior, como primeiro motivo, e fim último da sua vida e atirou-se à aventura insensata de encontrar nas esferas do material e do tangível a satisfação completa dos seus anelos.


Esta experiência tem sido demasiado dolorosa, em todos os planos da atividade social. quebrou-se o padrão de consciência e de moralidade por que se aferiam os caracteres e, na corrida desenfreada das ganâncias e dos interesses mercenários, já não há lugar para o heroísmo das virtudes transcendentes. os sentimentos de ferocidade e de egoísmo, partindo do âmbito do individualismo, se ampliam no cenário mais vasto do convívio dos povos e das nações, cujas pendências deixaram de resolver-se na balança da justiça, e se sujeitam, no campo de batalha, às decisões brutais a ferro e fogo.


Não resta dúvida que o mundo caminha num movimento de regressão à barbárie. Prevalece a força contra o direito, a violência contra a cordura, a incompreensão contra o entendimento, a guerra contra a paz, o ódio ontra o amor. As nações vivem debaixo da obsessão de batalhas que travar, de conquistas que empreender, de despojos que dividir. E, enquanto por toda parte aumenta o assombroso poder de destruição, cada vez mais se apaga e se oblitera, na consciência da humanidade, o preceito radioso do "amai-vos uns aos outros", que resume, só por si, todo um código d e justiça, de religião e de moral.


O nosso país bem poderiaestar à margem deste cenário de tragédias em perspectivas ou de vulcões em plena ebulição. O clima aqui é outro, o ambiente não oferece elementos ao triunfo das doutrinas subversivas, mas, infelizmente, o sabor da novidade tenta, empolga e arrasta ao redemoinho os espíritos mal avisados que se julgam altamente evoluídos, só pelo fato de rezarem no catecismo negro do materialismo.


E o Brasil que viu nascer a sua aurora sob o gazalhado da cruz; que mais tarde a contemplou esculpida em estrelas no próprio céu, como um lume aceso de predestinação; que teve o seu berço embalado às vozes mansas dos homens de fé, que erguiam para o alto os cânticos de louvor a Deus e faziam cair dos lábios para as almas rústicas dos gentios as palavras dos Evangelhos; o Brasil que viu abrirem-se os seus caminhos de civilização ao prestígio das sandálias e da roupa dos filhos de Jesus; o Brasil que tem no fundo das suas tradições mais remotas o oratório familiar, os novenários e as procissões festivas, em honra dos santos padroeiros; o Brasil que conserva na base da sua estrutura social, a instituição da família sob a bênção dos altares; o Brasil cheio de seiva, pujante e forte na sua mocidade radiosa, assim mesmo, apesar de todos esses privilégios, se sente atingido na sua inteligência e nas suas forças espirituais, pela influência nefasta do materialismo e abre-se em campo de batalha aos mesmos princípios, ideologias e sistemas que ameaçam de morte e destruição as nações exaustas do velho continente.


Distintas diplomandas.


Ides partir para a cruzada de luz do vosso ministério. Assumis com este diploma um grave encargo perante a nacionalidade. E de nenhum modo quis que, em momento tão solene, vos faltassem as visões da realidade brasileira, dentro do panorama universal. Não há tintas de pessimismo no quadro que acabei de vos compor. Longe de mim o pensamento de que a nossa querida pátria toca os ocasos irremissíveis dos países de civilização milenar, esgotados nas suas forças, vivendo à custa do óleo canforado de medidas excepcionais, que mais prolongam a angústia do que lhes dão um sentido forte e saudável de verdadeira vida. Somos um povo milionário de energias, de reservas materiais e espirituais. Mas este patrimônio inestimável, cumpre-nos defendê-lo a todo transe, da cobiça dos outros povos, da sua política de absorção e de conquistas, na escassez de espaço e precariedade de recursos que os asfixiam, portas a dentro do seu habitat. E aí está a missão por excelência que vos reserva o magistério.


Neste campo aparentemente humilde, em que sereis as jardineiras obscuras e abnegadas de flores tenras e mimosas, ninguém sonharia que estivesse a formidável mobilização de defesa contra os perigos que nos ameaçam e nos salteiam. Ninguém haveria de jugar que vos transformásseis em grandes heroínas, oferecendo às ciladas e aos botes invasores, a Verdade dos vossos corações pleno dos valores que se resumem no amor à pátria, à família e a Deus. Porque não vos cabe apenas o mister de encontrar para vossos alunos o caminho do conhecimento, desbastando a camada de trevas que lhes envolve os espíritos. Seria muito, na verdade, mas seria ainda muito pouco que se exige de v´ós e vos compete no exercício de uma grandiosa missão. Antes de tudo, pelo vosso exemplo de vida e de atitudes, haveis de ser guia e diretrizes, o sou que doura e ao mesmo tempo fecunda, o humus primitivo em que foi lançada a semente da Verdade.


O melhor meio de enfraquecer uma nação, de quebrar-lhe a resistência e prepará-la para a escravização material e política, é fazer brechas na sua armadura espiritual, abalá-la nos seus princípios, divorciá-la das suas tradições, desintegrá-la das forças de equilíbrio moral que a dirigem e a sustetam. Este plano caviloso, de há muito vem sendo executado em nosso meio, sob pretextos e formas os mais diversos. É um trabalho pérfido, insidioso, com intenções torcidas e mascaradas, mas a ele sabereis contrapor as lições do mais puro exemplo, de acordo com o substrato de vossa formação. Porque a modéstia e a singeleza do sacerdócio a que vos votais, possui o segredo das maiiores forças, o que levava Bismarck a reconhecer, no apogeu da glória e do poderia militar, que tudo devia ao mestre escola de sua infância.


Estais certas, pois, do valor extraordinário da vossa ação nos destinos do Brasil. ao prestígio da instrução ministrada com desvelo e com carinho, juntareis o exemplo que persuade para a formação simultânea da inteligência e do caráter. E assim se cumprirá, por inteiro, a sublimidade do vosso apostolado, aberto em sacrifícios de toda espécie, nesses trilhos obscuros, em que ireis lançando , a mãos cheias, as sementes da grandeza do futuro.


Minhas caras afilhadas.


Ainda esperais, com certeza, a palavra de guia e de conselho que o vosso paraninfo até agora reteve. Que poderia eu dizer-vos, no entanto, que de antemão já não soubésseis, que já não fosse parte do cabedal de verdades que enriquece e aformoseia os vossos conhecimentos?


Não. Não tomarei de empréstimo à luminosidade das filosofias nenhum dos seus conceitos eternos de sabedoria, que pudesse dar por lema ao estandarte da vossa fé. Eu quero, simplesmente, ungir-me da sentimentalidade destas hora, tirar dela todo o prestígio da emoção que vos çinvade, da tristeza e da alegria que neste instante viveis, paradoxalmente, num misto de saudade e de esperança, entre uma página da vida que se fecha, marcada de episódios inesquecíveis, e outra que se abre como marco triunfal de uma carreira que valorosamente conquistais. Eu quero apenas vibrar na atmosfera de coração que aqui se respira e dizer-vos com a simplicidade comovida das palavras da prece e da oração: "e-de bondosas. A bondade é o "abre-te, Sésamo" de todos os tesouros ocultos do coração. Nada lhe resiste, porque tudo pode e tudo consegue, com os seu eflúvios de doçura e carinho.


Bem sei que não vos concito à prática de uma virtude, pois tal não deve ser considerado um movimento natural da alma, um irradiação espontânea do ser, da personalidade feminina, que estará sempre em desacordo consigo mesmo, quando não se manifesta em atos de compassividade e de ternura. Pretendo encarecer tão somente a qualidade por excelência, com que havereis de contar para o milagre das maiores realizações, na festa de luz do vosso apostolado. Nem as cortinas de aço da intransigência, nem a obstinção do preconceitos, nem a ferocidade dos que mergulham o coração nos abismos do ódio e da vingança, serão capazes de resistir à claridade suave qu e se coa de uma palavra de mansidão e de paz, de um sorriso de simpatia e complacência, como relexo do céu.


Sede bondosas, minhas caras afilhadas, e em meio ao drama trágico que empolga a humanidade, nos tempos tuais, em face do confusionismo que reina, da falta de rumos que desconcerta, das ameaças que se acumulam sobre os destinos da civilização; no tumulto das violências, das revoluções e das guerras que se deflagram, afirmai a tranquilidade, a serenidade e a bonança, a isenção de ânimo da abnegação, que é caridade, e do sacrifício, que é alívio; e na singeleza edificante de uma vocação de amor purificado, num sentido de crença e de poesia mortal, sede como o arroio que canta entre pedrouços para levar ao torrão ressequido a fecundidade e o frescor; sede com o a asa que se libra acima do turbilhão dos vendavais desfeitos, até os páramos do azul imaculado, onde a presença assombrosa do infinito confirma para a nossa fé, a eternidade dos destinos humanos.


Disse.








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