EVANDRO – UMA VIDA FELIZ!
- Maria Isabel Gomes de Matos
- 14 de jul. de 2024
- 9 min de leitura
Atualizado: 15 de abr.
Esta página é uma homenagem a meu irmão Evandro Gomes de Matos.
É também um esforço de carinho para com seus descendentes, a fim de que possam vislumbrar um pouco dele quando jovem. Por isso, este esboço de biografia vem acrescido de descrições de nossa vida em família, na sociedade uberabense, naqueles tempos longínquos das décadas de 1960–1970.
Evandro nasceu em 16 de dezembro de 1946. Feliz na infância e na adolescência, recebeu, no aconchego amoroso da família, como os demais irmãos, orientações firmes em princípios e valores, bem como incentivo à disciplina e à independência, que o levaram à plena realização pessoal. Com efeito, seguindo a trilha de Santino & Yone, Evandro tornou-se um esposo exemplar, um pai extremado e um profissional de excelência.
Evandro estudou no Colégio Diocesano, ginásio e científico. Em seguida, fez vestibular para medicina, formando-se como médico pela Faculdade Federal de Medicina do Triângulo Mineiro, tendo feito sua especialização em psiquiatria na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Terminada a especialização, voltou a Uberaba, onde começou a exercer sua profissão.
Ainda antes de concluir o curso universitário, muito entusiasmado, apresentou na Bernardo Guimarães sua escolhida: Margarida Maria Mello (Guida). Filha de tradicional família de São Gotardo, ela estudava Direito em Uberaba, quando os dois se conheceram.
Santino e Yone acolheram Guida de imediato, recebendo-a de braços abertos na Bernardo Guimarães. Para mim, adolescente à época, a novidade muito me entusiasmou, pois tive a impressão de que ganharia uma irmã mais velha, alguém segura de si, determinada em seus propósitos.
Evandro e Guida se casaram, formando um sólido e compacto núcleo familiar de harmonia e cumplicidade.
Depois de algum tempo em Uberaba, Evandro decidiu candidatar-se a professor titular da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Aprovado com excelência, o casal transferiu
sua residência para aquela cidade paulista. Evandro abriu também seu consultório, que se tornou clínica de referência. Lecionou por 30 anos na Unicamp, tendo sido também professor da Universidade Paulista de Campinas por 10 anos. Em Campinas, Guida decidiu-se por um segundo curso superior, formando-se em psicologia e passando a trabalhar nesse ramo da área da saúde. Assim, o casal somou também realizações profissionais em atividades afins. E, para complementar a felicidade do casal, vieram os três filhos.
Campinas tornou-se portanto não apenas terra de eleição, mas também cidade de predileção. Igualmente São Gotardo tornou-se local de referência para o núcleo familiar, pois Evandro ajustou-se, com extrema afinidade, àquela cidade mineira.
Na área acadêmica, as teses de mestrado e doutorado de Evandro, fruto de pesquisa metódica, trouxeram conclusões inovadoras sobre a farmacologia destinada aos tratamentos psiquiátricos, em especial aqueles voltados para a síndrome do pânico. Mas, do médico, nada direi. Dr. Evandro estará – pelo bem que lhes tenha feito – na memória dos pacientes que tratou durante seu largo tempo de prática na psiquiatria, e também nas recordações das centenas de alunos, aos quais foi tão dedicado.
Quanto ao prestígio político-social que adquiriu na comunidade campineira, também nada é preciso consignar, fala por si só o fato de seu nome ter-se tornado de imediato denominação de logradouro público em Campinas.
Do pai e avô, também nada preciso acrescentar, pois os netos, além da convivência que com ele tiveram, têm os testemunhos de seus pais.
Compete-me trazer apenas minhas memórias longínquas. Devido à diferença de idade, nas minhas lembranças mais antigas, meus irmãos já eram adolescentes. Ambos eram estudiosos e gostavam de suas escolas. Evandro estudava no Colégio Diocesano. Cleômenes estudava no Colégio do Triângulo Mineiro. Eu, pequenina, tinha por isso vontade enorme de crescer e como eles poder ir para a escola. O esporte preferido de Evandro era o judô. Eu ficava encantada quando ele “mudava de faixa”. Achava aquilo o máximo! Os colégios diferentes e os esportes preferidos diversos favoreceram os dois irmãos em um ainda maior número de amigos a frequentar a Bernardo Guimarães. Portanto, minha lembrança deles naqueles tempos de minha primeira infância era de muita alegria juvenil em casa.
Uma doce lembrança de infância que tenho de meus irmãos refere-se aos nossos natais. As atividades daquele período do ano envolviam nós três, mas o Evandro e eu, nesse quesito, nos afinávamos em excedente entusiasmo. Na verdade, gostávamos tanto do tempo do Natal que alongávamos o “clima natalino” o máximo que podíamos. Assim que passava o triste dia de finados, começávamos a insistir para que fosse permitido montar a árvore de natal e enfeitar o restante da casa, bem como planejar todos os eventos natalinos.
Mamãe deixava parte dessa tarefa para nós, porque durante os meses que antecediam o natal ficava muito atarefada, participando ativamente das “oficinas”, em que as senhoras ligadas às ações vicentinas ou à igreja intensificavam as costuras, os bordados e os tricôs, na confecção de enxovais de bebês e roupas infantis, que complementariam as grandes cestas de natal, que continham também alimentos especiais para as famílias a quem prestavam valiosa assistência e com quem colaboravam para um Natal de fartura e alegria. Nós também deveríamos escolher brinquedos antigos – que estivessem em perfeito funcionamento, livros ou roupas – perfeitas mas em desuso, para doar. Uma lição importante de cidadania e desapego de nossos pais. Cleômenes queria doar tudo. Lembro-me de que precisavam refrear sua generosidade. Eu, desde que não me levassem as bonecas, na seara de generosidade do Cleo, deixava ao alvedrio dos mais velhos a escolha do que determinassem repartir.
Os enfeites da nossa tradicional árvore, delicados como “cascas de ovos”, eram enrolados em papel de seda e guardados em grandes caixas decoradas. Trabalhávamos nisso com cuidado, especialmente com os “pingos de chuva”, filetes finíssimos, prateados, reluzentes, que eram colocados na ponta de cada ramo. Enfeitada a árvore, Evandro e eu saíamos para comprar algo novo para ali acrescentar: isso era também uma tradição. Certa vez, compramos pequenas velas reais em suportes mínimos, que foram colocadas em todos os galhos das árvores. Algo lindo demais! Mas, diante do perigo, foram acesas apenas no momento da realização da novena de Natal.
As solenes novenas de Natal, contavam com a presença de um dos dominicanos, às vezes até Frei Alberto comparecia. Alguns parentes e muitos vizinhos participavam. Em fé sincera, começava cedo a reverência à vinda do menino-Deus. Assim, antes da novena, montávamos com carinho nosso presépio. Usávamos sempre as mesmas figuras de cerâmica. Já estavam envelhecidas, mas não as queríamos substituir, alterávamos apenas o cenário. Cleômenes e Evandro sempre foram católicos tradicionais praticantes, em rituais e dogmas.
Véspera de Natal: a noite mais linda do ano! Na maior parte das vezes, havia convidados, parentes, amigos. Outras vezes, era apenas o núcleo familiar mais próximo. Mas, em qualquer circunstância, tudo era especial: as orações, a ceia deliciosa, as músicas, a alegria, os presentes. Não sei dizer qual era a habilidade de Santino e Yone, mas conseguiam fazer com que associássemos o recebimento dos presentes ao presente Maior, à comemoração da chegada de menino Jesus. Éramos, por exemplo, levados a meditar: o que seria de nós, como humanidade, se Jesus não tivesse vindo à Terra? Então, sentíamos aquela imensa gratidão ao menino-Luz, materializada em alegre louvor a renovar esperanças.
Todas essas descrições que faço podem parecer tão simples, tão triviais, talvez insignificantes. Afinal, por que o natal da Bernardo Guimarães seria tão especial? Ah! Como traduzir em palavras aquele clima de ternura indelével que iria persistir, permeando o novo ano. Talvez a melhor explicação seja de que, como diziam, aquela era uma casa mágica...
O "clima de natal", entretanto, prosseguia ainda, pois logo seria Dia de Reis. Salvem os Três Reis Magos!
Em Uberaba, as Folias de Reis, que visitavam as fazendas e circulavam em toda zona rural, também se faziam presentes na cidade. Na década de 1960, então, essa tradição era muito prestigiada, havendo inclusive os famosos festivais de Folias de Reis, capitaneadas por Toninho da Marieta.
Os “ternos” de Folia de Reis iam de casa em casa. Muitas vezes a casa da Bernardo Guimarães era escolhida para a ocasião, pois muito nos alegrava receber aquela visita especial. A vizinhança se reunia. O trio trazia a bandeira para o dono da casa receber. Cantavam, recebiam a oferenda da casa e apreciavam o almoço (ou lanche, conforme o horário da visita) oferecido pelos anfitriões e compartilhado por todos.
Nós trocávamos presentes na noite de Natal, mas a tradição italiana da Befana era por doces e mais presentes também no dia 6 de janeiro. Enquanto minha avó foi viva, essa tradição foi mantida. Ou seja, éramos privilegiados nos festejos natalinos. No dia 25 de dezembro, Natal, presentes de Papai Noel. Depois, dia 6 de janeiro, Dia de Reis, presentes da Befana.
A lenda italiana da Befana retrata-a como uma senhora idosa, que voa numa vassoura. Ela teria sido convidada pelos três Reis Magos para se juntar a eles, mas recusou. Depois, arrependeu-se amargamente. Então, preparou um saco cheio de presentes para seguir os Reis Magos, mas não conseguiu encontrá-los. Desde então, a Befana, voando na sua vassoura, passa pelas casas, deixando recompensas para as crianças em suas meias penduradas na lareira ou na árvore. "Se as crianças tiverem sido boas durante o ano, serão recompensadas com doces e brinquedos. Porém, se tiverem sido más, encontrarão as meias cheias de carvão".
Quando vovó partiu deste plano, meu pai desalugou uma pequena casa que possuía ali na Bernardo Guimarães, ao lado da casa em que morávamos, para que tia Adelina, irmã de minha mãe, que morara toda a vida com minha avó, ali se instalasse com mais conforto, mas ao mesmo tempo estivesse sempre perto de nós. Era uma casa pequenina, mas cheia de charme. Nós a chamávamos de “igrejinha”, porque tinha a porta de entrada com o formato parecido com o das portas das pequenas igrejas.
Tia Adelina, importante personagem de nossa vida familiar, era muito carinhosa. Tia "coruja" dos sobrinhos, mas com muita ênfase em relação ao Evandro, era a única a quem ele permitia chamá-lo de “Vavá”, um apelido que, portanto, “não pegou”.
Pelo bem da verdade, tia Adelina sempre achava oportunidade de contar as peripécias infantis e todas as conquistas do Vavá. Eis um dos episódios que eu a ouvi relatar muitas vezes. Evandro teria uns 6 anos de idade. Um circo famoso chegara à cidade. Levado a assistir ao espetáculo, no dia seguinte, Evandro teria ido para o quarto de brincar – um cômodo da casa da Bernardo Guimarães destinado exclusivamente para brinquedos, no qual as crianças podiam inclusive desenhar nas paredes. Ali, ele teria conseguido representar, ao longo das paredes, em grandes desenhos artísticos, os principais episódios do espetáculo circense: animais, palhaços, etc. Algo de espantar. Realmente, Evandro era um desenhista nato. Herdou o talento para artes plásticas de nossa mãe, embora não o tenha colocado frequentemente em prática. Mas, usando desse dom, durante o ginásio desenhou (em cadernos de desenho) incríveis histórias em quadrinhos, para as quais redigia também os textos. E, quando foi a minha vez de ir para o ginásio, ensinou-me a desenhar umas “letras gordinhas” para título dos trabalhos escolares. Nunca me esqueci dessa gentileza dele.
Estou a rememorar a “igrejinha” de tia Adelina porque o local foi muito importante para Evandro na sua época de estudante de medicina. Tia Adelina, de temperamento alegre e descontraído, facultava a casa para que Evandro e os colegas ali estudassem. Barulhentos, estudavam até tarde da noite, creio que depois de voltarem de algum evento social, de suas serenatas, não sei dizer. Aquela era uma época romântica, de serenatas, de flores para namoradas, de cartas de amor. Enfim, o que sei é que tia Adelina, “cúmplice” dos estudantes, em plena madrugada lhes fazia “bolinhos de chuva” e outros deliciosos lanchinhos. E uma coisa é certa: apesar de toda a balbúrdia noturna, com música e brincadeiras, eles foram aplicadíssimos nos estudos.
Nessa época, eu ainda adolescente, recordo-me de que Evandro era um rapaz que chamava a atenção. Algumas de minhas amigas diziam ter ele a figura de “um galã”: alto, esbelto, bastos cabelos castanhos, olhos muito verdes, vestindo-se sempre à moda.
Evandro, durante sua vida universitária, participou do Projeto Rondon. Esse projeto, iniciativa do governo militar da época, promovia atividades de extensão universitária, levando professores e estudantes voluntários a comunidades isoladas. Evandro passou meses no estado do Amazonas, em aldeias indígenas. Essa atividade foi realmente marcante para ele. Recordo-me muito, todos aguardando seu retorno a Uberaba. E, de repente, chega ele, muito diferente, com uma barba comprida, nos presenteando com pequenas peças de artesanato indígena e com um mini
toca-discos para “compactos simples”, uma novidade fabricada na zona franca de Manaus. Chegou ele, com certeza, bastante amadurecido pela experiência.
Muitos episódios eu teria a contar, mas creio serem estas linhas suficientes para o objetivo destas memórias e para justificar o seu título – Evandro: uma vida feliz!
Feliz na infância, na adolescência e na juventude, no convívio familiar na Bernardo Guimarães e na vida social em Uberaba; realizado profissionalmente e na vida conjugal, Evandro teve a satisfação de participar de forma exemplar da vida dos seus três filhos. A filha, psicóloga formada pela Unicamp, casou-se com um jovem americano. Residem nos Estados Unidos, onde constroem sua vida. Os dois filhos, ambos médicos, um deles formado pela Unicamp, o outro, em Uberaba, já se destacam como nomes de referência da cardiologia em Campinas. Casados, suas esposas são, ambas, médicas também.
Evandro faleceu em 19 de novembro de 2023. Mas teve tempo de acompanhar a chegada dos netos e de conviver com eles, tendo certamente deixado em seus coraçõezinhos a semente dos princípios e valores de Santino e Yone, bem como o exemplo de quem soube conduzir sua vida em trilhas de felicidade.
Nota: Os nomes dos filhos e netos de Evandro não serão citados no site por motivo de privacidade.


