FESTIM – Santino Gomes de Matos
- Maria Isabel Gomes de Matos
- 16 de jan. de 2024
- 2 min de leitura
Atualizado: 23 de abr.
Falta-me vestimenta a caráter
e me sinto neutro e difuso
como um rolar de nuvem branca
num cenário de tempestades.
Também não trago na mão a lâmpada prudente,
para a saudação de luz ao Esperado.
E a hora do festim se aproxima.
Festim da Vida, Festim da Morte.
As asas que passam têm o mesmo sentido de presságios transcendentes.
Asas de temeridade que varam os elementos conflagrados,
no ímpeto suicida das gaivotas.
Asas de corujas e de morcegos,
flácidas e bambas,
carregadas de zigue-zagues,
na cumplicidade da mentira e da sombra.
E sou eu o ponto de encontro das antíteses em voo,
eu que não possuo vestimenta a caráter,
nem me decido pela linha alta ou baixa dos horizontes.
Não fica bem sonhar,
no desperdício ridículo de um resto de coração,
quando o Tempo amadureceu todos os frutos,
e aqueles que a nossa mão não colheu
apodrecem às moscas e ao bolor.
Agora é a realidade inelutável,
é a compulsória do face a face,
na lâmina de aço da consciência infrangível.
O festim me espera.
Serei nele a figura primeira dos convivas,
entre ardências de tochas,
imóvel e solene.
E não trago na mão a lâmpada votiva em honra do Esperado,
neste instante único, imporrogável, fatal.
Tenho ainda de procurar o gesto supremo do resgate,
de mãos postas,
de joelhos em terra,
ou lançado acima dos meus limites,
com um pensamento que esvazie a Vida,
que transcenda a Morte,
e se acenda em coroa de Fé,
feito a estrela do Oriente dos meus desvarios.
O momento corre para mim, célere e inapelável.
A mesa do festim está posta.
No entanto, as asas que agora me cercam estão pejadas,
numa resistência de coisas flácidas e moles e pegajentas,
entre mim e a hora fatal que me solicita.
Festim da Vida,
Festim da Morte,
eu que não tenho vestimenta a caráter
nem conduzo na mão a lâmpada prudente
em honra de luz ao Esperado.
Do livro Céu Deposto
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