FORA DE DISCUSSÃO
- Maria Isabel Gomes de Matos
- 16 de out. de 2022
- 2 min de leitura
Atualizado: 30 de jan. de 2024
Crônica de Yone Passaglia Gomes de Matos, publicada no jornal Degrau em dezembro de 1995.
Há assuntos que, pela sua natureza, jamais deveriam ser discutidos entre amigos. Só servem para acirrar ânimos e causar desavenças. Um desses temas diz respeito a crenças e religiões. Cada um tem suas próprias convicções, advindas do berço ou da educação. Procurar contradizê-las ou menosprezá-las, na tentativa de trazer o opositor para o nosso rebanho, é mero exercício de violência inoperante.
Tenho por norma evitar qualquer discussão sobre tais assuntos, mesmo porque aprendi, desse a infância, a respeitar todas as crenças e a admirar seus autênticos seguidores.
Vem-me à lembrança certa lenda que li (não teria eu mais de 12 anos), cuja substância permanece indelével na minha memória e que muito influiu no processo de não julgamento do próximo. Resume-se assim:
Adeptos de várias religiões, depois de muita divergência, resolveram dirigir-se a Deus para saber com quem estava a verdade.
O Senhor então mostrou-lhes uma bacia de espelho, onde se refletia sua imagem e lhes disse:
– A verdade estará com aquele que pegar o pedaço deste espelho que trouxer minha imagem.
Dizendo-lhes isso, atirou-lhes a bacia, que se espatifou. Correram para buscar o pedaço cobiçado. Surpresa geral!
A imagem aparecia nítida até nos menores fragmentos. Conclusão: A verdade estava com todos, porque o Senhor é um só, seja qual for o nome que lhe derem e o culto que lhe prestarem.
Tudo isso me veio à mente quando encontrei, esta tarde, uma amiga que não via há alguns anos. É uma pessoa excelente, cujo tema preferido versa sobre suas convicções, que são em alguma medida diferentes das minhas, mas fala com a delicadeza de quem não pretende aliciar adeptos.
Ouço-a com a atenção que merece. Garante-me que estamos chegando ao fim dos tempos. Restam-nos escassos anos, então haverá um expurgo. Os bons permanecerão aqui. Os maus serão desterrados. Uma vez já fomos exilados. Estamos ameaçados de novo a pior exílio.
Fiz ver a ela minha preocupação quanto ao destino de tantos então. A corrupção campeia à solta; a violência e a crueldade são o programa repetitivo no dia a dia; as mentiras e traições tornaram-se banais. A honra e a dignidade são encaradas com desdém. Vencem os inescrupulosos e matreiros. Que vai ser do Brasil? E se o resto do mundo todo estiver nas mesmas condições? Ambas ficamos a refletir sobre tudo isso.
Olho ao meu redor. É um fim de tarde triste e cinzento. Fico pensativa e triste com a perspectiva de um mundo desolado, com casas vazias e ruas desertas, um ou outro remanescente, com saudade dos que se foram. Mas, de repente, meus olhos descobrem um canteiro florido num jardinzinho bem cuidado. Vejo as flores sugando da terra a seiva da vida com a beleza de um milagre divino que não se cansa de se reproduzir.
Então despeço-me com afeto da melancólica amiga. Sorrio interiormente e afugento a tristeza. Apesar de tudo, a vida continua palpitante e bela... Vivamos o hoje, da melhor forma. Os prognósticos ficam para mais tarde...
