O MAIS DIFÍCIL DOS DEGRAUS
- Maria Isabel Gomes de Matos
- 16 de out. de 2022
- 2 min de leitura
Atualizado: 30 de jan. de 2024
Crônica de Yone Passaglia Gomes de Matos, publicada no jornal Degrau em junho de 1996.
Ultimamente tem-me ocorrido refletir sobre o uso de certa palavra da qual lançamos mão a cada passo.
Trata-se do verbo aceitar, do Latim "acceptare", usado, com propriedade, em várias oportunidades, mas que, noutras ocasiões, não representa um sentimento de verdade, tornando-se obscuro – quase – diríamos falso – e, portanto, de uso inadequado.
Aceitamos presentes, ofertas, homenagens, opiniões, conselhos e até mesmo advertências, quando justas. Mas como "aceitar" uma imposição vinda de alguém mais forte ou dos acontecimentos imprevistos? No máximo conseguimos nos adaptar, nos submeter ou nos resignar.
Quem se submete, quem se resigna, não está na verdade aceitando nada.
Quantas surpresas se nos deparam no decorrer da existência! Cada dia é um único, inédito, diferente de todos os outros, e o "amanhã" é sempre uma incógnita.
Desde jovens costumamos planejar nosso futuro, traçar nossos rumos, engendrar sonhos. Esquecemo-nos de que a vida, caixa mágica de surpresas, também tem os seus planos, que nem sempre coincidem com os nossos. Quando menos se espera, vemos nossa bússola virar-se para nortes inesperados.
Por vezes aparecem-nos urgências e imprevistos como uma viagem, mudança de domicílio chegada de um parece ou amigo que não víamos há muito tempo. Rejubilamo-nos com as novidades.
Outras vezes, porém, da caixa de surpresas o inesperado chega em formada decepções, doenças, traições ou adversidades ainda piores. Então, um turbilhão de sentimentos negativos toma conta de nós: dor, frustração impotência, enfim, todos os ingredientes que compõem a perplexidade diante do irremediável.
Sentimo-nos perdidos, desamparados e, não raro, a vida chega a perder o seu próprio sentido. Depois, com o correr dos dias e o apoio solícito dos que nos amam, o tempo – bálsamo divino –, vai enxugando lágrimas, cicatrizando feridas, injetando ânimo. E quando finalmente conseguimos readquirir um pouco de serenidade, voltamos nosso pensamento para Deus e, embora com o coração sangrando, afirmamos: "Aceito, Senhor, A Tua vontade/" É este o ponto nevrálgico de minha cogitação.
Estaremos realmente aceitando ou nos resignando?
Pessoalmente, não gosto da conotação dada pelo sentir da resignação. Vejo-a como uma coisa morna, passiva, inerte e infrutífera. Quem apenas se resigna abdica do dever de lutar. Encolhe-se e se enrola no próprio casulo.
Ora, a vida é luta, é evolução, é um desdobrar de energias que, estas sim, frutificarão em amor e fraternidade.
Urge, pois, sepultar a resignação, para fazer que dela surja a verdadeira aceitação, como uma nova fênix que renasce das próprias cinzas. Mas como consegui-lo?
Somente a verdadeira fé, fruto da reflexão e da coragem, da coragem de esquecermos da nossa própria dor por amor ao próximo, por amor à vida, por amor a Deus. Só então poderemos dizer como São Francisco:
"Senhor,
Dá-me serenidade para aceitar o que não poder ser mudado.
Dá-me forças para mudar o que deve ser mudado.
Mas, acima de tudo, Senhor, dá-me sabedoria para distinguir uma coisa da outra."
Tentemos subir juntos mais este degrau da vida, talvez o decisivo para nosso aperfeiçoamento espiritual.