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POEMA DO SILÊNCIO – Santino Gomes de Matos

  • Maria Isabel Gomes de Matos
  • 10 de jul. de 2022
  • 1 min de leitura

Atualizado: 23 de abr.

Há alguma coisa morrendo no silêncio.

Talvez tenham abafado o choro de um recém-nascido.

Asfixia. Infanticídio.

E um cheiro forte de pecado

investe com a virgindade aromal das açucenas.

O silêncio tenta ser o passa-culpas das desgraças da Vida.


Procura compor-se em mudez extática,

mas anda comprometido da malignidade animal dos homens.


Opressões. Guerras. Fomes. Miséria.

Ainda agora desfez-se em lodo

a última flor de inocência da terra.

Ainda agora passou a Justiça aos trambolhões,

por ordem da prepotência política.

Ainda agora puseram numa hasta pública de chacotas

o derradeiro exemplar de uma consciência calibrada:

– Quanto me dão pela honestidade?

Gritos, vaias, assobios, pedradas.

O silêncio cedeu lugar ao alarido do século.

Talvez se alaparde numa furna distante,

até onde não chegue a marca de sangue da civilização.

Já viram?

A própria lua no espaço

se aprisiona em círculos vermelhos.


Bomba atômica, bomba de hidrogênio, foguetes interplanetários.


E o mar alteado para o céu,

no desejo insano de casar dois infinitos,

lança as ondas, desesperadamente,

em jactos enormes de hemoptises.

O silêncio já não tem onde acolher-se,

no mar, no ar ou na terra.


De qualquer parte das distâncias,

enchendo a fuga de todos os ventos

e a morada de todos os ecos,

corre o tumulto da miséria civilizada,

a precipitar-se nas últimas crateras dos megatons.


O mundo prostituiu o silêncio.

O mundo assassinou o silêncio

E a morte do silêncio endoidece o mundo.


Do livro Céu Deposto

©2023 – Todos os direitos reservados. Permitida a divulgação, desde que citada a autoria.

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