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PRECIOSO DIAMANTE – Yone Passaglia Gomes de Matos

  • Maria Isabel Gomes de Matos
  • 22 de fev. de 2024
  • 4 min de leitura

Atualizado: 23 de fev. de 2024

Diria que Santino era comparável a um precioso diamante, refletindo, em cada uma de suas múltiplas facetas, o brilho de uma virtude.

Um telefonema. Um convite. Em turbilhão as lembranças emergem do passado e se fazem presentes, vivas, luminosas. Do outro lado da linha a voz amiga de Rui Novais, esse talento sempre jovem e brilhante, posto a serviço do "Lavoura e Comércio", órgão tradicional que engrandece Uberaba e honra a imprensa mineira. Rui quer a minha colaboração para o próximo número da revista "Convergência", publicação valiosa da Academia de Letras do Triângulo Mineiro. Sugere-me que relembre a figura de Santino Gomes de Matos, no panorama uberabense.


Não poderia responder com uma negativa. É verdade que faz muitos anos, "eu nem me lembro quanto", como diria o poeta, que deixei de escrever. Não pensava retornar às lides literárias desde que a Ceifadora implacável atingiu o meu lar, quando esposo e filho me foram arrebatados. Não fosse o amor dos outros filhos, não houvesse o amparo de Deus, a alma, embora submersa em dor e pranto, jamais retornaria. Desde então "Oração e Trabalho" têm sido o meu lema. O pincel tomou o lugar da pena, como instrumento de trabalho.


A voz de Rui soa aos meus ouvidos com a força de imposição, não só pela honra do convite, como por motivos de amizade.


Naturalmente que ninguém conheceu Santino melhor do que eu, a partir do momento em que o destino nos colocou frente a frente, na condição de aluna e mestre, depois, quando a admiração se transformou em amor, num caminho palmilhado, entre lutas e alegrias comuns, ao longo de mais de 30 anos e cujo encantamento nem a morte pôde destruir.


Se eu deixasse falar o coração, diria que Santino era comparável a um precioso diamante, refletindo, em cada uma de suas múltiplas facetas, o brilho de uma virtude.


Mas não é o coração que deve falar. Urge estar com isenção de ânimo.


E então, de repente, me vejo numa encruzilhada. Que rumo seguir?

Que trilha escolher? De quem devo falar? do Santino educador? do filólogo? do jornalista? do poeta? do contista? do defensor das causas de justiça de Uberaba? Sinto que a tarefa está além das minhas forças. Como desincumbir-me dela?


Sem maiores reflexões, resolvo transferir o trabalho a fontes mais abalizadas e imparciais.


Do jornalista, falarão por ele a "Gazeta de Uberaba", onde militou por muitos anos, quer como redator, quer como diretor, ao tempo em que as lutas políticas se travavam literalmente a ferro e fogo; o "Lavoura e Comércio, em memoráveis campanhas, quando era seu redator-chefe. Por certo dirão de sua luta pela grandeza de Uberaba, nas reivindicações do que havia de mais legítimo, como por exemplo, na inesquecível coluna "Cupim, Barbela e Gavião", que tanto cooperou no reconhecimento da importância do gado zebuíno a nível internacional; falarão de suas famosas entrevistas, com altas personalidades do mundo governamental, reproduzidas com destaque em outros veículos de comunicação nacional, mas dirão, principalmente, do seu incentivo permanente ao aprimoramento da Língua Portuguesa, na arte do bem falar e do bem escrever, dirimindo dúvidas na "Viagem Através dos Compêndios" e na "Coluna Filológica"; relembrarão o comentarista internacional que antecipava os acontecimentos, numa verdadeira acuidade perceptiva, nesse aspecto atuando também como correspondente de jornais paulistas e revistas cariocas; falarão ainda dos editoriais inesquecíveis e das crônicas leves. Tudo o quanto escreveu foi marcado com o sinal do anseio de perfeição. Dirão enfim que, em qualquer setor onde sua pena foi requerida, ele se desempenhou com equilíbrio e competência.


Como professor, os seus incontáveis ex-alunos dos Colégios, da Faculdade, dos Cursinhos podem testemunhar a clareza dos seus ensinamentos com a didática espetacular que lhe era inerente, tornando fácil o que parecia inacessível.


Filólogo, professor especializado em Língua portuguesa e em filologia românica, estudioso e pesquisador severíssimo, procurava abeberar-se em obras genuínas, sempre no original, fossem escritas em inglês, francês, espanhol, italiano ou alemão, sempre atualizando sua biblioteca. Prezava sobretudo o Latim, que conhecia profundamente e considerava como indispensável ao conhecimento aprofundado do português.


A Faculdade de Filosofia Santo Tomás de Aquino, de que foi um dos fundadores, era a "menina de seus olhos".


Até os últimos dias de sua vida esteve presente no setor educacional, dando o melhor de si, numa verdadeira doação de amor e bondade.


Como poeta e escritor, suas obras falam por si, entre as quais se destacam "Flagrantes ao Sol do Norte", "Oração dos Humildes", "Procissão de Encontros", "Céu Deposto", Vozes Íntimas, além das obras de filologia e gramática e de outras que deixou inéditas. De sua sensibilidade poética e da beleza dos seus versos manifestaram-se grandes vultos da literatura nacional como Monteiro Lobato, Afrânio Peixoto, Antônio Sales, Tristão de Ataíde, Oscar Mendes, Filinto de Almeida e tantos outros, unânimes em saudá-lo como um de seus pares.


Por diversas vezes seus contos foram premiados em concursos nacionais. Pertenceu à Academia Municipalista de Letras de Belo Horizonte e foi membro fundador da Academia de Letras do Triângulo Mineiro.


Muito ainda poderia ser registrado, mas já me alonguei, em demasia, neste esboço do perfil de Santino Gomes de Matos e de sua atuação no cenário uberabense. Uberaba, terra que elegeu e defendeu como sua, terra em cuja sociedade se integrou como irmão, por quem lutou nas horas difíceis e com quem se rejubilou nas horas de vitória. De 1935 até a sua morte em 1975, não houve um só grande empreendimento em Uberaba que não contasse com a defesa inflamada de sua pena ou com o fulgor de sua palavra, que não trouxesse a marca de sua presença.


Como representante do povo à Câmara Municipal, e mesmo como funcionário público, sua missão foi sempre a de defender o direito, a justiça e a verdade, e a de lutar pelos valores maiores da nacionalidade.


Eis aí, em resumo, Santino Gomes de Matos, exemplar raro de grandeza humana, marco na História de Uberaba, traço luminoso na memória dos que o conheceram e amaram.







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