RUI DE SOUZA NOVAIS
- Maria Isabel Gomes de Matos
- 14 de out. de 2024
- 4 min de leitura
Gomes de Matos, exemplo de integração afetiva!
Se tivéssemos que definir a posição de Santino Gomes de Matos no seio da comunidade uberabense, nos o faríamos com apenas duas palavras: – integração afetiva.
Quando chegou a Uberaba, há mais de 40 anos, a cidade guardava ainda dimensões provincianas no plano de sua atividade especifica: a filologia. Latinistas e gramático do porte de Joaquim Dias, Manoel Felipe de Souza e Athanásio Saltão viviam somente na recordação de um reduzido número de intelectuais, seus antigos alunos. Não deixaram sucessores.
A presença de Gomes de Matos marcou um verdadeiro reencontro de Uberaba com o estudo profundo e a pesquisa atenta no campo da filologia. Abria-se outro capítulo na história cultural da cidade.
Gomes de Matos trazia para os uberabenses, além da contribuição de um talento superior, a atividade intelectual bem organizada e planificada, o trabalho metódico realizado em extensão e profundidade.
O professor que aconselhava a leitura de Machado de Assis e dos escritores modernos, de preferência a obras didáticas, como fator essencial para formação de estilo e correção gramatical, renovou, arejou, dinamizou nosso panorama de ensino.
Mas no educador de espírito universal, acompanhando de perto a evolução da pedagogia e da ciência da linguagem, no admirável artista da palavra que tão bem se comunicava em prosa e verso com seus leitores, no jornalista de rara habilidade e equilíbrio, surgiu logo o uberabense de coração, que colocou o seu amor por esta cidade acima de seus interesses pessoais e das solicitações, tantas vezes renovadas, para sua transferência para os grandes centros do País, onde as suas atividades encontrariam campo mais propício e compensador.
A integração afetiva de Gomes de Matos nesta comunidade comandou sua atitude e suas decisões. Ficou. Ficou para sempre, com seu corpo guardado no solo uberabense e o seu nome na consciência cultural da cidade, como exemplo da força da inteligência aliada à seriedade do trabalho metódico e organizado."
Artigo publicado no "Lavoura e Comércio" em 15 de outubro de 1975.
Oração dos Humildes
Rui de Souza Novais
O livro de poesias que Santino Gomes de Matos acaba de publicar, com o título feliz de Oração dos Humildes, fixa de maneira magistral cenas de sua infância, paisagens pessoais, mas registra, principalmente, os estados de alma do autor.
O conceito proustiano de que numa obra literárIa interessa, acima de tudo, a revelação do estado de espírito do escritor, é a mais cristalina das verdades. Nada tão interessante com as perspectivas da alma humana.
Aliás, o literato em geral não esconde essas perspectivas.
Coppée, por exemplo, que tão bem soube interpretar a poesia das vidas humildes, que foi, por excelência, o poeta dos humildes, pediu aos seus leitores que não se surpreendessem de ver nos seus poemas um eco de suas próprias dores e indignações.
Gomes de Matos poderia fazer idêntico pedido. Além das dores e indignações – que o mundo proporciona em abundância, principalmente às almas de elite – ele acrescentaria, naturalmente, a saudade – a saudade – uma saudade constante e inestinguível do Ceará distante, mas sempre presente na sua obra magnífica.
Vibram no seu livro todas as modalidades da dor. Desde a dor da "moça tísica da fábrica", que "cantando aproveita os seus restos de pulmão" até a que transparece na "discurseira infame e ridícula dos camelôs".
É a dor dos que sofrem humildes e despercebidos, desprezados e esquecidos no meio do espetáculo delirante da vida moderna, que há muito esqueceu a piedade e afundou de cheio no egoísmo e no orgulho.
Gomes de Matos, com um estranho poder de receptividade, soube compreender essa dor e "rezar alto a oração dos humildes".
No "mosaico estranho" do nosso ser, as indignações que gravam as mais indeléveis e penosas impressões são as que "vêm dos ódios pequeninos", "dos venenos em dosagem diminuta, que não matam"...
Contém a afirmativa do poeta uma soberba verdade. Gomes de Matos foi profundo na análise da indignação – esta indignação que é um misto de piedade e desprezo pelo rosnar das sombras, pelas maldades mirins de cada dia, pela patuleia do ódio... E chegamos a desejar um prêmio Nobel para os autores das grandes maldades, para os que têm a coragem de ser maus, integralmente maus!
O poder descritivo do autor de Oração dos Humildes é notável: "A calçada do meu avô", "Rua Grande" e "Aracati", entre outras poesias do livro, empolgam pela precisão das imagens que invocam, pela reconstituição cabal das cenas distantes, pela sua realidade palpitante.
Passam diante dos olhos do leitor, com a nitidez de um filme cinematográfico, as pessoas e cousas do longínquo estado do Norte, que a invocação saudosa e magistral de Gomes de Matos nos faz tão familiares como se lá também tivéssemos vivido e brincado a "bolotinha de cabra" com a filha de d. Vivina!
"A filha de dona Vivina cavava cacimbinhas na face, quando ria". A força magnífica desta expressão chega a causar deslumbramento, principalmente se considerarmos que o autor é filho do Ceará – a eterna vítima das longas estiagens.
"Oração dos Humildes" não revela só o brilhante talento de Gomes de Matos, não denuncia, apenas, a existência de mais um grande poeta nos nossos meios intelectuais: põe a descoberto sua grande bondade e sua infinita piedade pelos humildes e infelizes.
Artigo publicado no "Lavoura e Comércio".
Ruy de Souza Novaes (Uberaba, em 16 de abril de 1909 – 13 de novembro de 1998). Contabilista, funcionário público (ECT), jornalista, escritor , membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro. Trabalhou na Gazeta de Uberaba e posteriormente, no Lavoura e Comércio, tendo sido seu editorialista por vários anos. Sócio emérito da ABCZ e da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Uberaba, foi diretor do Jockey Club de Uberaba e da ACIU (Associação Comercial e Industrial de Uberaba.
