SIMÃO E OS DESALMADOS
- Maria Isabel Gomes de Matos
- 16 de jul. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 30 de jan. de 2024
Crônica de Yone Passaglia Gomes de Matos, publicada no jornal Degrau em abril de 2000.
Situo-me entre aqueles que olham a vida através do prisma do otimismo. Sempre procurei encontrar o lado favorável das pessoas e dos acontecimentos, por piores que me parecessem.
Considero que deve sempre haver um raio de luz para aclarar a escuridão, um motivo para justificar o que é aparentemente inaceitável. Assim pensam os otimistas, confiantes na inteligência humana e no esforço da coletividade, postos a serviço do bem comum, da solidariedade e da justiça.
No início da globalização, percorreu o planeta – de norte a sul, de leste a oeste – um vento de bons presságios. O sonho da harmonia mundial passou a ser considerado algo concretizável, porque as diferenças iriam desaparecer, os homens se abraçariam como irmãos, a paz reinaria sobre todos.
Os corações se encheram de novas esperanças. Mas foram esperanças vãs, ilusórias, que em breve feneceram, pois o que se vê acontecer é justamente o contrário, com o crescimento da desigualdade social, o aumento da distância entre a riqueza de uma minoria privilegiada e a miséria crescente de multidões. E entre as duas classes, cada vez mais a ponto de se ver completamente aniquilada, a classe média debate-se para se libertar da opressão esmagadora.
A violência atinge índices inimagináveis. As leis são desrespeitadas. A vida humana está mais desvalorizada que a dos cães, que contam pelo menos com a Sociedade Protetora dos Animais. Onde está a Sociedade Protetora dos Cidadãos Honestos?
Como fica a rotina diária do cidadão trabalhador, que se vê, por mais otimista que seja, invadido pela insegurança, pela angústia, pelo medo e, muitas vezes, pelo desespero? Não se sabe mais quem é o bandido e quem é o “mocinho” neste “faroeste” global.
A mídia exibe o assassinato, o roubo e a corrupção de cada dia, além do massacre de civis em guerras insanas, sob o beneplácito dos donos do mundo.
Enquanto os responsáveis pela segurança e pelo bem-estar da coletividade se digladiam, sem saber o que compete a quem, as autoridades superiores se omitem e o povo sofre as consequências.
Diante desse espetáculo, como conservar pelo menos a seiva do otimismo? Como encontrar um lado bom, uma justificativa, por mais insignificante que seja, para a insensatez e a maldade?
A inconcebível subversão da ordem do momento que vivemos faz-me relembrar a estranha teoria de Simão – antiquíssimo mago – segundo a qual nem todas as criaturas humanas têm alma. Isto porque, ao nascer, cada pessoa recebe a sua alma na forma de uma pequena chama. Compete ao que a recebe cuidar dela, alimentado-a com o óleo do amor e a essência da bondade e da justiça. Se se descuida, a chama se apaga. A alma deixa de existir. Fica apenas o corpo com sua animalidade. Simão pregava que assim surgiram os desalmados. E são muitos, muitíssimos.
Poucos são os que se aplicam ao esforço de manter viva a sua chama e transformá-la em luz radiante.
Por mais contraditório que pareça, a estranha lógica de Simão, o Mago, talvez seja capaz de nos fazer recobrar o otimismo. Afinal, nem tudo está perdido. Mesmo que sejam poucos os que mantenham acesa a chama de sua alma, há, por meio deles, a possibilidade de cura para a insanidade reinante e a esperança de renascerem dias melhores.
É preciso eleger como líderes aqueles que conhecem o verdadeiro valor da liberdade, que só é exercida em plenitude pela reflexão e que deve ser delimitada, na prática, pela força da justiça e do bem comum. Aos poucos que sabem alimentar sua alma com o combustível do amor, da bondade, da justiça, resta abandonar o medo e se unir na luta pelo restabelecimento da sensatez, dos valores éticos e da paz.
Urge um trabalho conjunto e, ao mesmo tempo, uma conscientização individual quanto às obrigações e às possibilidades de cada um consigo próprio e com a sociedade.
Unamo-nos! E que as nossas almas – chamas ardentes – se transformem em sol luminoso, a descortinar o caminho da Fraternidade.
