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TANTO MAIS BELAS, QUANTO MAIS ANTIGAS

  • Maria Isabel Gomes de Matos
  • 18 de out. de 2022
  • 4 min de leitura

Atualizado: 30 de jan. de 2024

Crônica de Yone Passaglia Gomes e Matos, publicada no jornal Degrau em dezembro de 2005.


Acompanhamos o esforço de tantos no sentido de preservar a fauna e flora brasileiras, de defender nossas reservas florestais, elementos básicos de harmonia e equilíbrio da natureza.


Uma das metas dos ambientalistas é dar atenção especial atenção às árvores centenárias, que devem ser tratadas com respeito pela sua ancianidade. Diz o poeta sobre as árvores velhas: "tanto mais belas, quanto mais antigas". E elas agradecem, estendendo seus galhos para o abrigo de todas as espécies de pássaros e oferecendo sombra para quantos queiram nelas abrigar-se. Erguem-se imponentes, revelando no seu lenho castigado os anos vividos.


Da mesma maneira nós, os seres humanos, adquirimos rugas e nodosidades, como as velhas árvores. Sofremos a ação do tempo em nossa carne. Demos frutos – nossos filhos - e os agasalhamos com o calor do nosso afeto, os alimentamos com a seiva oriunda das fontes eternas do amor, do bem e da justiça. Mas, mesmo hoje, embora velhos e combalidos, temos ainda muito a oferecer.


Em alguns países, como o Japão e a China, os mais velhos são profundamente respeitados e os mais novos convivem com eles prazerosamente. Na Argentina, são carinhosamente chamados de "persona de mayor". E, em muitos países da Europa, não se percebe a distinção da idade, pois os velhos contribuem normalmente para a sociedade, para a economia, trabalham para suas comunidades, onde todos se beneficiam de sua sabedoria e de sua experiência. Viajam, praticam esportes, divertem-se tanto quanto os jovens.


No Brasil, infelizmente, nossa cultura deprecia as pessoas idosas. A velhice é considerada um castigo e é sinônimo de doença e incapacidade. Foi necessária a edição de uma lei – o Estatuto do Idoso – para obrigar a sociedade a reconhecer os direitos dos mais velhos. Não aparecem poetas para cantar "as velhas árvores humanas".


O Estatuto do Idoso foi uma conquista importante. Todavia, apesar das boas intenções que nortearam os trabalhos legislativos e dos vários benefícios que a lei trouxe, especialmente para os idosos carentes, aquele instrumento legal tem fundamentos contraditórios.


Se de um lado visa à liberdade do idoso, de outro, trata-o como um incapaz, que necessita de tutela. Ora, não há como ser livre quando se é expropriado de sua autonomia. Conforme preleciona Anthony Giddens, "a autonomia de ação está intrinsecamente relacionada à emancipação, que significa liberdade e condição de se relacionar com os outros de modo igualitário".


Observe-se que a plena capacidade da pessoa natural de ser capaz de seus direitos e deveres na ordem civil – é atingida na maioridade e só pode ser afastada em situações extremas (viciados, deficientes mentais, etc.) e por meio do processo judicial de interdição, que dispõe de rito especial. É indispensável não só a realização de perícia, mas também é obrigatória audiência, quando o interditando é interrogado pelo magistrado. Raros processos são revestidos de tantos requisitos formais, sendo imperiosa a publicação sentença na imprensa por três vezes. Tal rigor denota o extremo cuidado do legislador quando trata da capacidade da pessoa. Não obstante, no que concerne ao idoso, há como uma "incapacidade presumida". Por exemplo "Quem resolve casar-se a partir dos 60 anos tem subtraída, de forma injustificável, alegoria e discriminatória a plenitude de sua capacidade para eleger o regime de bens que lhe aprouver. Absurdamente é imposto o regime da separação legal dos bens, que gera a total incomunicabilidade para o passado ou para o futuro. Portanto, quem quiser se casar, após os 60 anos, embora não esteja impedido de fazê-lo, não pode dispor sobre questões patrimoniais e escolher livremente o regime de bens, mesmo que não tenha descendentes.


O Estatuto do Idoso (Lei nº 10.742/2003) estabelece que "é dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violente, aterrorizante, vexatório ou constrangedor". Mas não caracteriza um ato constrangedor vexatório a pessoa, a partir dos 60 anos – com a perspectiva de vida de mais de 100 anos, na "era do viagra" – não poder decidir sobre o regime de bens que lhe aprouver caso venha a se casar?


Uma pessoa idosa tem uma casa mais "idosa". A casa está sob o regime de usufruto e fica no interior. Necessitando de dinheiro para gastos pessoais, para incrementar sua qualidade de vida, decide vender a casa, ou seja, resolve desistir do usufruto e vender o imóvel. Mas que surpresa! Será necessária uma ação judicial, que os advogados amigos consideram perdida: 'Nenhum juiz dará autorização para a vendo do imóvel uma vez que, aos 90 anos, presume-se incapacidade de julgamento e, mesmo que se prove, perante médicos e especialistas o domínio de plenas faculdades mentais, restará a suspeita de que estará sendo induzido pelos familiares". Neste momento, o idoso sente com toda a indignação que não é livre, não é autônomo, não tem direito de escolha E seus filhos, criados com todos os valores morais e éticos, são considerados, em princípio, pessoas de má-fé.


Este acontecimento é ou não é uma situação vexatória e constrangedora, tanto para o idoso quanto para seus filhos?


Toda essa dificuldade tem origem na própria conceituação do que seja o idoso. O estatuto caracteriza-o como a pessoa a partir de 60 anos. Ora, não há como reconhecer que há idosos com uma excelente qualidade de vida, apresentando-se algumas vezes bem mais lúcidos que pessoas de 30 ou 40 anos. Por isso, a conceituação do idoso teria de avaliar a pessoa pelos seus caracteres individuais, a pessoa como ela é e não como se suspeita que seja. Em resumo, o conceito baseado no critério "número de anos" não é suficiente par trazer justiça para os idosos.


Com tudo isso, constatamos com tristeza que muito ainda há para ser feito. O envelhecimento tem de ser entendido como um processo normal, inevitável e irreversível. E não como uma doença Há necessidade de revisão do conceito do idosos por outros parâmetros, para que ele venha a ser realmente respeitado e continue a sentir-se um cidadão atuante, um membro da comunidade.


Somente a mobilização permanente dos idosos e de grupos sociais que desejam dias melhores para os velhos que eles serão no futuro é capaz de trazer essa nova reflexão, que se empenhe numa revolução cultural capaz de conscientizar quanto à importância da aceitação do idoso, sem discriminações, como um igual: um ser livre e pensante.


Referências: Drs. Maria Berenice Dias ("Amor não tem idade"), Pérola Melissa Vianna Braga "Envelhecimento Ética e Cidadania"; Gleuso de Almeida França ("Inovações Penais no Estatuto do Idoso").

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