RECADO DE POESIA – Santino Gomes de Matos
- Maria Isabel Gomes de Matos
- 10 de mai. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 8 de out. de 2024
Um recado de poesia
entre o sonho e a realidade,
atende a quem pressentia
meios tons de amenidade.
Não é a volta impossível
ao enjoo de água doce
do romantismo risível
nas falsidades que trouxe.
Obsessão da fantasia.
O irreal em prosa e verso.
O próprio leitor queria
ser de si mesmo diverso.
Palpava-se herói ou anjo,
e, em escadas de jacó,
subia qualquer marmanjo
ufanado do ouro em pó.
Mas agora é o contraste,
o outro polo do exagero,
cada qual com seu desgaste
de tragédia sem tempero.
Tudo nu e descarnado,
a alma em chaga exposta
num mundo desatinado
que ninguém sem medo arrosta.
Fora dele, em desvarios,
num delírio a todo pano,
encontram-se os amavios
do engano no desengano.
Em vez de cores de festa,
nas palavras comportadas,
o estilo que desembesta
ideias espatifadas.
A Poesia se arvora,
com furiosa problemática,
em esfinge que devora
os fracos na matemática.
Há de ser posta em esquemas
a + b, Y ou X,
pois tudo são teoremas
no "bom-dia" que se diz.
Arquimedes ressuscita.
Impiedoso, se concentra,
e, porteiro da escrita, grita:
ou geômetra ou não entra.
Em face do artesanato
dos fabricantes de "ismos",
sofremos o desacato
dos produtos do hermetismo.
Passam-nos gato por lebre,
em poemas tão espessos,
que chega mesmo a dar febre
devassá-los, aos tropeços.
Aqui, cai; lá, se levanta;
e, de vez, já se esborracha,
pois, depois de lida tanta,
mais é o oculto em que se acha.
Só mesmo os iniciados,
que campam de alto saber,
sacam de autores dopados
o gênio do "não dizer".
Ficam-se dentro de si,
enroscados e confusos,
mas há quem proclame: eu vi
porcas ajustadas aos parafusos.
Que surpresa a dos poetas,
nesta "açãozinha entre amigos"!
Complacentes exegetas,
em notinhas, em artigos,
apostados em dar fama
a quem se vê descoberto
na técnica do ideograma
de que nada sabe ao certo.
Pasmam da criatividade,
do estilo "pé pela mão"
e de ver boçalidade
como altíssima razão.
E o recado de poesia
que servia para o povo
em mil voltas se extravia
na bossa do estranho novo.
Quem mais complica e desvaira,
sem dizer coisa com coisa,
mais alto, em mistério, paira,
para a glória em que repousa.
É fácil o receituário
num coquetel de fichário.
Para isso dá-se um jeito:
o direito por avesso
e o avesso por direito,
tudo sem fim nem começo.
O praxis e o concretismo,
o neoclássico e o barroco,
um pouco de dadaísmo
e muito e muito de louco.
A questão é não ver só
os pontinhos no papel,
mas, ouvindo um simples dó,
intuir Mozart a granel.
Desfila o léxico inteiro,
nos claros das reticências,
que se mudam em luzeiro,
aos olhos da presciência.
O leitor segue o cortejo
da anedota do rei nu.
Tem de acreditar sem pejo,
vendo pavão no urubu.
Do contrário é analfabeto,
ou retrógrado, ou quadrado,
sem luzes do Paracleto
no bestunto esclerosado.
Régua, esquadro, tira-linhas,
puxa, encolhe, diz não diz,
e rouxinolam galinhas
nas conclusões do aprendiz.
Detestando, embora, o poeta,
mandando ao diabo o contista,
o universitário secreta,
com paciência de budista,
o saber de altos saberes,
e em forma algébrica risca
complicações sem dizeres
em que o mistério faísca.
Ciência oculta, briqueabraque,
prós e contras mais se opondo,
mas, ao fim, estala um traque,
em vez da bomba de estrondo.
O recado de poesia,
não mais o compreende o povo,
que está para a algaravia
como o espeto para o ovo.
Castro Alves, Casimiro
Gonçalves Dias, Varela,
Bilac, Correia, Azevedo:
isso não é nenhum segredo,
são alguns dos que têm giro
entre o povo, que os desvela.
Destarte, o homem perene,
alma, anseio, coração,
resiste, sem que se engrene
na algidez da automação.
Na era eletromagnética,
dos íons, dos megatons,
prefere a arte poética
modulada em entretons.
Procura, assim, à existência
de catástrofes fugir,
sempre fiel à consciência
de em si o mal abolir.
Desdenha os ritos medonhos,
foge a vista ao grangrunhol,
atento a clichês de sonhos,
buscando nesgas de sol.
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