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VÂNIA MARIA RESENDE

  • Maria Isabel Gomes de Matos
  • 22 de abr.
  • 3 min de leitura
Nós lhe agradecemos por todas as lições de gramática, de literatura, de bondade, de entusiasmo e amor ao Português, Não esqueceremos sua última lição: morrer significa estar ausente, enquanto corpo, e continuar presente, enquanto espírito.

Carta ao Professor Santino Gomes de Matos


Grande professor.


Ainda há pouco líamos suas palavras, destinadas ao seu filho, Cleômenes, e sentíamos profundamente a mágoa com que se expressava, mas, ao mesmo tempo, nos conformávamos com a sua dor, que era nossa também, pela expressão confiante de sua mensagem. Sentíamos sua alma machucada, é verdade. Contudo, suas palavras ternas revelaram resignação, porque não tinha perdido um filho, apenas se separado dele, por hora, ao entregá-lo a Deus.


E nós, agora? O que dizer?


Seus alunos, seus ex-alunos, seus colegas professores, a Faculdade de Filosofia. Você não estará mais na sala dos professores, nem participará mais das nossas reuniões do Departamento de Letras. Não ouviremos outra vez sua voz sensata de mestre. Não o encontraremos, pontualmente, às 7h15, na sala de aula, esperando seus alunos. E os artigos de Carlos Drummond de Andrade de "O Estado de Minas"? Será que encontraremos comentários mais profundos que os seus a respeito deles?


Discussões e mais discussões eram as suas aulas, as verdadeiras aulas de Português, que nasciam dentro da sala, a partir do questionamento, qualquer um que se levantasse. Quem ousa repeti-las agora? Faltam a fundamentação, a experiência e a capacidade fabulosa, que eram tão suas, professor.


Não sei se as questões filológicas, etimológicas ou gramaticais poderão ser tão sabiamente esclarecidas. Por trás dos óculos, buscava, lá na raiz da Língua Portuguesa, soluções, com muito tranquilidade; depois de tudo, concluíamos: eu não sei nada, ou, então, não há solução. E era isso mesmo que você queria: que se colocassem problemas. Realmente, você nos ensinou que Português não é tão simplesmente regras gramaticais, porém, muito mais que isso, uma tomada de posição diante de um problema. E, depois de tudo, o seu silêncio.


Quantas vezes se mostrava preocupado com a decaída sempre mais crescente do nível linguístico, assumindo a defesa da nossa língua, que tanto amava.


Neste momento em que nos deixa o seu bastão para continuarmos o seu trabalho, sentimos uma responsabilidade imensa. Mas muito fica de sua presença para nos ajudar. O "Inferno Divertido da Análise Sintática" não nos deixará esquecê-lo, jamais, mestre de Português.


Outra vez, pergunto, professor:

E nós agora? O que fazer?


E, não demorando muito, vem a sua resposta, que encontramos nas palavras deixadas, recentemente, na carta a Cleômenes. É preciso tomá-las e tê-las como última lição de sala e a maior de todas, pois, transforma-se agora em lição de vida. É preciso acreditar, como você acreditou, quando conversava com seu filho, que somos mais do que um simples corpo efêmero, é preciso saber aceitar a separação terrena, ao ser chamado por Deus.


Nós lhe agradecemos por todas as lições de gramática, de literatura, de bondade, de entusiasmo e amor ao Português, Não esqueceremos sua última lição: morrer significa estar ausente, enquanto corpo, e continuar presente, enquanto espírito.


Você, realmente, continuará presente nas nossas aulas de Português, nas nossas brincadeiras com a análise sintática. Permanecerá na nossa memória. Esteja certo.


Entregamo-lo, também confiantes, a Deus, como você com o seu filho.

E, até um dia...


Sua ex-aluna,

Vânia.

Carta publicada no "Lavoura e Comércio" de 16 de outubro de 1975

Vânia Maria Resende. Educadora uberabense, com formação em Letras, doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, especialista em Literatura Brasileira e Literatura Infantil e Juvenil. Atua nas áreas de crítica literária e promoção da leitura, com cursos, oficinas, palestras., tendo sido várias vezes premiada por trabalhos produzidos nesses ramos. Escritora, é articulista no Jornal da Manhã, de Uberaba, tem várias obras de referência publicadas, em especial voltadas para a literatura infanto-juvenil, sendo também coautora em importantes projetos, com especial destaque para o mais recente, do qual foi coordenadora: Travessia de libertação – Vida e obra de Juvenal Arduini .








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