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Yone – A juventude (a professora)

  • Maria Isabel Gomes de Matos
  • 8 de jun. de 2024
  • 9 min de leitura

Atualizado: 8 de abr.

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Em Uberaba, Yone, que desde bem criança apreciava ler e estudar, dedicou-se aos estudos com afinco, formando-se como normalista e, depois, como normalista de segundo

grau, na Escola Normal Oficial de Uberaba. Graduada com excelência, logo começou a lecionar nas melhores escolas de Uberaba

 

Normalista? Normalista de segundo grau? O que é isso?



O sistema de ensino brasileiro passou por várias reformas.  Hoje temos ensino fundamental e ensino médio.  Naquele tempo, o ensino fundamental era subdividido em curso primário e curso ginasial. 


O curso primário equivaleria aos quatro primeiros anos do ensino fundamental.  No entanto, essa equivalência só pode ser feita relativamente ao tempo escolar, pois aquilo que os alunos aprendiam até o chamado “quarto ano primário” era muito mais do que hoje, em muitas escolas, ensinam até o final do ensino fundamental e quiçá até o final do ensino médio.


O ensino médio era denominado ensino secundário, e se apresentava em três opções: o clássico (voltado para a área de humanidades, para quem queria cursar Direito, por exemplo); o científico (voltado para a área de exatas e biológicas, para quem queria cursar Medicina ou Engenharia, por exemplo) e o normal, destinado a formar professores. Somente na década de 1970, o “ensino secundário” tornou-se unificado, passando a denominar-se “curso colegial” e, posteriormente, ensino médio.

 

O curso normal habilitava os formandos a ministrar aulas para o curso primário. Já o “curso normal de segundo grau” autorizava  os formandos a lecionar para o ginásio e até para o

próprio ensino secundário. 


Com efeito, esse "curso normal de segundo grau" equivalia a um curso superior, tendo em

vista o currículo, que incluía filosofia, psicologia, didática, puericultura, biologia, história universal e brasileira, geografia, língua portuguesa, literatura brasileira e portuguesa, francês, literatura francesa, entre outras disciplinas. Posteriormente, com a instalação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras em Uberaba, a Escola Normal Oficial pôde deixar de oferecer esse curso normal de segundo grau.


Yone tornou-se professora inesquecível para muitos de seus alunos, pela sua didática, pelo seu carisma, pelo sua eficiência em ensinar e educar as crianças. O seu discurso de paraninfa no Grupo Escolar Brasil, constante neste site, e esta crônica biográfica de um ex-aluno seu, importante personagem social e cultural de Uberaba, publicada no Jornal da Manhã e inserida

ao final deste post, podem dar um vislumbre da atuação da jovem professora Yone.


E como era a casa de Izabel e suas filhas nesta época? A casa de Izabel e suas filhas em Uberaba continuou sendo, obviamente, uma autêntica casa italiana. Com efeito, Izabel e seus filhos mantiveram vivos e transmitiram aos descendentes muitos dos hábitos e costumes italianos tradicionais.


Alguns me perguntam que hábitos e costumes seriam esses.


O primeiro costume, sem dúvida, refere-se à importância do cultivo dos laços familiares. Essa tradição, que se mantém viva em quase todas as famílias de descendentes italianos, é identificada não apenas no convívio afetuoso entre os membros da família, mas pelo hábito de querer passar os domingos juntos, o pranzo de domenica, celebrado ao redor da mesa, com comidas deliciosas, muita música e alegria, como se cada encontro fosse um evento. Para os italianos, a família está em primeiro lugar.


O segundo hábito diz respeito à gastronomia. Os diversos tipos de massas, o molho de pomodoro cozido por horas, o molho pesto, as polpetas, as pizzas, a polenta, os embutidos, os risotos, os culurgiones, o timballo, o carpaccio, as sfogliatellas, o panetone, o tiramisu, os gelatos, o cappucino, e tantas delícias mais, muitas das quais já se incorporaram à vida cotidiana brasileira. Tudo feito, se possível, artesanalmente, em casa, inclusive as massas.


Algo interessante que muitos desconhecem é que vem dos italianos o hábito saudável de consumir verduras. Com efeito, confirmam os historiadores que o cultivo das verduras só ganhou espaço na mesa brasileira depois da imigração italiana.


Uma tradição gastronômica mantida na família foi a do gnocchi da fortuna. Todo dia 29, a tradição determina que o prato principal seja o nhoque, a ser apreciado a partir do seguinte ritual: colocar uma moeda embaixo do prato, consumir as sete primeiras bolinhas do nhoque com gratidão pela mesa farta, brindar com os familiares e, após o almoço, guardar a moeda na carteira.


O terceiro hábito é o da música, na apreciação de músicas "clássicas", como as óperas, e também de músicas italianas populares, presentes em qualquer ocasião em que se reúnem os barulhentos italianos.


Uma curiosidade da tradição italiana diz respeito também aos jogos de cartas. O truco, a scopa (escopa, em português) e o scopone estão entre os jogos de cartas trazidos pelos italianos e que caíram no gosto dos brasileiros. O truco é jogado por muitas pessoas no País, principalmente nas regiões Sul e Sudeste, que concentram a maior quantidade de descendentes de imigrantes italianos.


O quarto hábito é o do gosto pela arte: pintura, escultura, arquitetura. A Itália foi o berço dos mais importantes movimentos artísticos da Europa, como o renascimento. E esse traço do gosto artístico parece que se incorporou ao DNA italiano. Yone pintava divinamente.


O quinto hábito diz respeito à moda. Não se trata apenas do gosto pela moda estilizada. Os italianos são proverbialmente conhecidos por se vestirem bem e procurarem estar elegantes em todas as ocasiões.



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"Mudamos para a cidade e fui matriculado na Escola Municipal Alaor Prata.  Continuava o mesmo caipirinha tímido, mas agora de pés calçados e com muitas saudades da vida solta e livre dos campos. Pouco me lembro daquela época, à exceção de Dona Yone.  Yone Passaglia Gomes de Matos.  Loura, louríssima, de pele alva, educada, linda e minha primeira paixão. Isto em 1940. "
"Mudamos para a cidade e fui matriculado na Escola Municipal Alaor Prata. Continuava o mesmo caipirinha tímido, mas agora de pés calçados e com muitas saudades da vida solta e livre dos campos. Pouco me lembro daquela época, à exceção de Dona Yone. Yone Passaglia Gomes de Matos. Loura, louríssima, de pele alva, educada, linda e minha primeira paixão. Isto em 1940. "

DISCURSO DE YONE PASSAGLIA GOMES DE MATOS COMO PARANINFA EM

FORMATURA DO GRUPO ESCOLAR BRASIL





Ilmo. Sr. Inspetor Escolar,

Ilma. Sra. Diretora,

Minhas colegas professoras,

Senhoras e senhores,

Caríssimos afilhados.


Uma vez mais se abrem as portas desta escola para a realização de sua tradicional festa de entrega de diplomas, num testemunho eloquente de labor fecundo desta Casa de ensino que, numa constante de benemerência e conquistas no setor educacional, conseguiu situar-se entre os primeiros estabelecimentos congêneres em todo o Estado de Minas Gerais.


A tão importante solenidade, tenho a honra de paraninfar, por nímia gentileza de vocês, meus caros meninos. Não se justificaria a minha presença nesta tribuna, onde os mais preclaros oradores de nossa terra se têm feito ouvir em solenidades semelhantes. Entretanto, não hesitei em aceitar o convite, caríssimos escolares, porque senti nesta escolha mais do que um simples convite, uma intenção sutil e delicada. Não foi a mim que quiseram homenagear, mas às suas próprias mães, que, neste instante, se representam na minha pessoa. Foi esse, com certeza, o seu desígnio: a mãe de um aluno falaria por todas as outras. E é nesta posição, buscando interpretar os sentimentos de todas elas, que procurarei desincumbir-me da tarefa honrosa que aceitei com gratidão e desvanecimento.


É como mãe que lhes falo, meus meninos, não apenas na alegria do momento presente, quando o filho querido ganha a sua primeira vitória na batalha da vida, mas na vigilância inquieta com que busca desvendar os caminhos do futuro, para rumos certos e iluminados.


Não há dúvida de que, nesta casa, vocês adquiriram um lastro de conhecimentos e preceitos morais, que serão alicerce e esteios no seu porvir.


Desde aquela que os ensinou as primeiras letras, abrindo-lhes horizontes novos de deslumbramentos, até a professora atual, todas elas, num trabalho constante e profícuo, silencioso e meritório, nessa dedicação apostolar que faz da mestra primária uma segunda mãe, contribuíram de maneira decisiva para o resultado deste dia. Todas elas se revelaram incomparáveis na missão que escolheram e no espetáculo que hoje presenciamos, acrescentando nova conquista ao patrimônio cultural de Uberaba.


Os momentos que estamos vivendo resumem os quatro anos que aqui passaram, com sua alegria gárrula, com a despreocupação própria da idade, com tudo o que há de belo e puro na infância, resguardados pela vigilância e carinho de seus professores, a quem vocês devem gratidão imorredoura. Elas trabalharam para o futuro, cuidando fazer de vocês pessoas mais esclarecidas e úteis à coletividade.


Procurem, pois, corresponder-lhes aos esforços, transformando em realidades as suas altas aspirações.


Se assim falo é porque já fui uma de suas professoras. também acompanhei pari-passu centenas de crianças, buscando dourar-lhes as almas no ideal da conquista da vida pelo Bem e pela Virtude.


Por isso posso falar das mestras e dizer com conhecimento de causa o que significam em renúncia, abnegação e devotamento. Creio não ser demais aconselhar a volverem os olhos para o passado quando no decorrer dos anos surgirem à sua frente obstáculos e percalços. Lá encontrarão a figura amorável de sua mestra e tudo que de bom lhes transmitiu. E então, por mais que a vida os tenha magoado, vocês se sentirão restituídos aos dias da infância e a sua alma renascerá para novas batalhas. A lembrança da mestra que ficou no pretérito é como flor que o tempo não emurchece.


Outro tanto, poderei dizer de D. Teresinha Pereira Vale, que superiormente dirige na atualidade esta Escola, coadjuvada pelo zelo inexcedível de D. Hilda Nascimento Martins. A ela poderemos aplicar o pensamento de Aloísio de Castro quando disse: Uma grande vida é sempre uma grande fé.


Assim a vejo, dentro das linhas do duplo desígnio de educar e instruir, sem se descuidar da formação religiosa dos alunos, como anjo benéfico a arrebanhar almas para a Seara do Senhor. Escondida na sua grande modéstia, empreende e realiza com segurança e energia, transformando este estabelecimento modelar.


Ali esta ela, não apenas a professora, mas sobretudo a cristã, vencendo mais uma etapa na rota que se traçou, sem esperar agradecimentos ou recompensas, feliz tão-somente com a certeza do dever cumprido.


Meus caros afilhados.


Vocês apenas desabrocham para a vida. Alguns de vocês só tiveram o desabotoar de flores pelo caminho. Outros, entretanto, filhos de pais que lutam desesperadamente pelo pão de cada dia, já conhecem o amargor de algumas decepções, dos pequenos desejos insatisfeitos. A esses direi, usando as palavras do Salmista: "Farão a ceifa em alegria os que semearam com lágrimas." Se tiveram dificuldades a vencer e sacrifícios a superar, triunfaram gloriosamente. Fazem agora a ceifa em alegria, colhendo, igualados, os frutos promissores do saber.


Seja como for, através de estradas de flores ou de caminhos menos fáceis e suaves, chegaram todos ao mesmo termo de uma conquista extraordinariamente significativa.


Estamos numa hora de despedidas e adeuses. A felicidade do galardão conquistado enevoa-se de leves tintas de saudade, que começa a subir dos seus corações.


Deixarão a escola. Não mais a companhia das queridas mestras, não mais a alegria repartida dos recreios, não mais a convivência amistosa com os colegas. Cada qual seguirá o seu caminho. Uns para prosseguirem os estudos; outros em busca de trabalho, apesar dos verdes anos. Não quero, porém, avivar a nota triste do momento do adeus.


Cumpre-me dizer-lhes uma palavra de conselho e orientação e eu titubeio. Deverei mostrar-lhes apenas o panorama róseo do mundo? Quase me sinto tentada a isso, para não quebrar a harmonia da festa. Falo, entretanto, em nome de suas mães, e, dessa forma, o mais prudente será dar-lhes a ver a realidade, prevenindo-os para o Bem, mostrando-lhes os perigos que devem ser vencidos.


À sua frente haverá dias claros, mas outros também cheios de brumas. Vocês devem ter os sentidos atentos para distinguir entre aqueles que os cercarão na juventude, os verdadeiros amigos, porque muitos dos que usam esse nome nada mais fazem do que tentarem com capciosidade arrastá-los para o mal e para a perdição.


O mundo não é feito só de risos e de flores, mas também de espinhos e tropeços, que devem ser afrontados sem esmorecimentos. Sei que vocês terão dificuldade em pesar minhas palavras. Na sua idade, avalia-se o bom e o mau na balança dos desejos. Os entusiasmos são fogo-fátuo e os transviamentos tão fáceis de se dar que é preciso mesmo que haja um anjo tutelar ao lado de cada um, a fim de os proteger. Esse anjo protetor aparece ora na figura da mãe estremecida, ora na da professora dedicada.


É necessário, porém, que de agora em diante vocês comecem a usar as suas faculdades de discernimento e observação. É mister que examinem as suas inclinações e aprendam a corrigir os seus defeitos. Todos nós os temos, em maior ou menor grau, mas podemos superá-los.


Lembrem-se sempre de seus amigos – os livros. Eles são um tesouro: amigos que nos consolam e nos auxiliam. Já os antigos colocavam suas bibliotecas nos templos, como se quisessem mostrar que os livros devem ser amados solenemente. Não se esqueçam de que sempre teremos o que aprender por mais longa que seja a nossa existência.


É natural e importante viver o presente. Mas é tempo de começarem também a projetar o futuro. Nele estão as melhores esperanças de seus pais, que desejam para vocês as mais doces alegrias da vida. Os verdadeiros bens, porém, só se conseguem com esforço e perseverança. A conquista da felicidade está na nossa vontade e no nosso labor.


Trabalhem, portanto, meus meninos, com constância e vontade para que o galardão que hoje recebeis seja a promessa de muitos outros.


Não esmoreçam no meio das lutas. Busquem conquistar a sua própria vitória.


O essencial é não desanimar nunca. É saber trazer dentro do peito a força inigualável da esperança. A vontade firme de enobrecer-se cada vez mais no aprimoramento do caráter; o desejo sempre crescente de alçar-se à verdadeira superioridade.


Lembrem-se sempre dos ensinamentos recebidos nesta Casa, que foi verdadeiramente a continuação do seu próprio lar.


Lembrem-se do quinhão de ventura que devem a seus pais e da espera paciente de suas mães, que reflorescem nas alegrias deste dia. No amor de seus pais está o abrigo seguro contra todos os males. É o amor abnegado que não mede sacrifícios e com o qual vocês contarão nos momentos de júbilo ou de dor. Nele tereis o verdadeiro amparo.


Não se esqueçam igualmente o que reclama de vocês o Brasil. Que o sentimento de patriotismo se enraíze cada vez mais em suas almas, para que dias iluminados brilhem na Terra de Santa Cruz, e, quando dirijo a palavra final na antemanhã da sua nova vida, é para dizer-lhes, meus caros afilhados, que lhes desejo todas as bênçãos e felicidades para que não desmintam a esperança que são de um futuro melhor para a grandeza de nossa pátria estremecida.




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