A FILHA DE DONA VIVINA – Santino Gomes de Matos
- Maria Isabel Gomes de Matos
- 11 de jul. de 2022
- 2 min de leitura
Atualizado: 9 de mai.
– Bolotinha de cabra!
– Senhor, meu amo!
A filha de dona Vivina vinha brincar conosco,
os cabelos em cartuchos,
encaracolados e negros, como cachos de trevas.
Das cadeiras, na calçada, vigiavam-nos.
Mas a alegria era tanta
e os olhares tão cheios de simpatia,
que não lhe sentíamos o peso sobre nós.
– Bolotinha de cabra!
– Senhor, meu amo!
A filha de dona Vivina cavava cacimbinhas na face, quando ria.
A casa do juiz golfava luz por todas as janelas.
Era um insulto de línguas de fogo estiradas ao luar,
que só hoje me escandaliza.
Naquele tempo, era a "casa grande da esquina",
aonde íamos, correndo,
levar bogaris às moças que cismavam nas cadeiras de balanço.
– Bolotinha de cabra!
– Senhor, meu amo!
A filha de dona Vivina era pra ser minha noiva.
Brincamos juntos, rimos e choramos juntos,
devíamos seguir sempre juntos.
As lágrimas da filha de dona Vivina eram salgadinhas,
quase gostosas, não tinham o amargor das lágrimas adultas.
Nós não devíamos ter crescido nunca,
porque conosco cresceu uma distância enorme
e um tempo enorme também cresceu,
estendido sobre a nossa alegria.
– Bolotinha de cabra!
– Senhor, meu amo!
A filha de dona Vivina usará hoje
unhas ponteagudas e pintadas.
Terá sobrancelhas arrancadas a pinça.
Terá rugas no rosto e rugas na alma.
E é capaz mesmo (heresia das heresias!)
de tostar a ferro, para ondulá-los,
os cabelos negríssimos, como cachos de trevas.
Se a filha de dona Vivina também me visse!
O catavento da sorte rodou tanto, rodou tanto...
E não há mais quem responda:
– Bolotinha de cabra!
Não há mais quem responda...
Do livro Procissão de Encontros
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