A TARDE QUE SE FEZ NOITE NO CORAÇÃO DO POETA – Santino Gomes de Matos
- Maria Isabel Gomes de Matos
- 12 de out. de 2022
- 1 min de leitura
Atualizado: 25 de jan. de 2024
O silêncio do ar que cisma,
esmando um rumo no céu.
Nas sete cores do prisma,
a tarde ainda esplendeu.
Asa tonta de andorinha,
palpitando, fatigada,
do telhado se avizinha
de humilde e negra morada.
(A filha ao colo, o operário
que não teve o que jantar,
olha a ave, e perdulário,
não lhe quer pouso cobrar.)
O sol – a hóstia de fogo
que a montanha comungou –
como um nababo no jogo,
um tesouro dispersou.
(A velhinha suspirosa,
acocorada ao batente,
a riqueza vaporosa
vê sumir-se de repente.)
A noite, em triste viuvez,
borda o vestido de estrelas.
(Já luarou este mês,
com colóquios nas janelas.)
E dos jardins na penumbra,
sonham os lírios nevados
com a estrela que relumbra
nos espaços constelados.
Tivessem pétalas de ouro,
como as flores dos rosais,
e talvez um astro louro
no azul fossem, divinais.
(Passa o poeta a devanear
e ausculta a alminha dos lírios:
a inocência a se entregar
a fantásticos delírios.)
Já os astros se apagaram.
O céu, abismo de cores,
onde os sonhos naufragaram
lembra um Mar Morto de dores.
E a alma aflita do mundo
busca encontrar, mas em vão,
um seio de paz bem fundo
nesse abismo de carvão.
Do livro Procissão de Encontros
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