AQUELA CANTIGA – Santino Gomes de Matos
- Maria Isabel Gomes de Matos
- 11 de jul. de 2022
- 1 min de leitura
Atualizado: 6 de dez. de 2023
No seio de outras cantigas,
aquela cantiga ficou cantando,
num ritmo lento, mole, bamboleante,
como um embalo de balanço d'água.
Ouço vozes. Ouço ruídos. Epilepsias de Jazz.
Cento e cinquenta instrumentos de uma ópera inteira.
E o soprano e o tenor e mais o coro em berros.
Tudo isso me encharcando a alma, através dos ouvidos.
E ainda as desafinações da vida.
Barulhos, ruídos, rugidos de mágoa.
Dor e desespero. Misérias, misérias.
É o canto do mundo que cresce, que sobe aflitivo.
É a ronda dos ecos forçando caminho,
pedindo o meu peito,
pra nele também a angústia imprecar.
Aquela cantiga, porém, não me larga.
Vem vindo, vem vindo, tão mansa, tão boa,
tão mole e dengosa, com cheiro de infância!
E eu fico outra vez, no embalo da rede,
quentinho dos panos, quentinho da voz
que escorre em minha alma um gosto de lua.
A lua da "Senhora dona Sancha",
da "ciranda, cirandinha",
do jogo dos "Quatro cantos" e o "bicheiro" no meio...
Aquela cantiga que afugentava o Tutu
é o traço que vincou os meus dias,
como a linha de luz de um meteoro
que nunca se apagasse.
Do livro Procissão de Encontros
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