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BEIRA DE RIO – Santino Gomes de Matos

  • Maria Isabel Gomes de Matos
  • 11 de jul. de 2022
  • 2 min de leitura

Atualizado: 26 de jan. de 2024

Búzios e intãs enfeitam a areia morena.

E pintas encarnadas de caroços de mulungu

vermelham às centenas, aos milhares,

como se a beira do rio estivesse com sarampo.


As moitas de jeramataias espalham-se densas,

agachadinhas no chão,

para sombras alcoviteiras, no choco de amores selvagens.


Os bambuais castanholam alto, devagarinho.

Ou numa estralada brava matraqueiam,

quando o vento enxerido vem, correndo, anunciar a chuva.


– Galinha cheia!

– Cheia!

– Assada ou cozida?

– Cozida!

– Na panela de quem?

– De João Garaújo.


A pedra marcada de cicatrizes

era arremessada com todo o muque

e afundava num "glu" gordo,

perto das moitas de mofumbo.

E todos nós mergulhávamos de uma vez, no poço da Areia,

para agarrar a pedra bexiguenta.

No poço da Romana, jogava-se cambapé,

com estalos de chibata das pernas batendo n'água

ou no lombo dos parceiros.


E quando as cheias cresciam, afogando as moitas,

quando as águas noivavam com os marizeiros,

cobrindo-os com véus de espumas encardidas,

acompanhávamos, montados em cavaletes,

a fugida rápida das correntezas.


Que medo que eu tinha de dar no Japão,

quando cavava fojos profundos na areia,

para apanhar lagartos e tiús!


– Tiú é mouco, não ouve. Mais surdo que o velho Dudu.

E a gente ia arrastando a barriga nas folhas,

ver se segurava algum pelo rabo.

Os socós tinham uma tristeza cética, desiludida,

equilibrando-se num pé só, à beira dágua.


Maracanãs e periquitos anunciavam com cabotinismo a sua chegada,

fazendo um alarido dos diabos.

Vestiam de verde, com peitilhos amarelos, encarnados,

misturando cores vivas de chita,

trajados a rigor para uma função roceira.


– Pum, bum!

O pato bravo desequilibrava-se no voo

e caía dentro das touceiras de urtigas e carrapichos.


– Boca de forno!

– Forno!

– Pirão ou bolo?

– Bolo!

– Remana, remana!

– Mana!

– Quero ver quem me traz primeiro aquele pato bravo!


Descansando a espingarda, sentado à sombra das jeramataias,

"Seu" Policarpo acompanhava de longe a nossa maratona,

por entre urtigas, cansanções e carrapichos.


O vencedor vinha com os pés feridos

e trazia coceiras renitentes na batata das pernas,

para o resto do dia.


E era assim, e o mais que não me lembra,

a minha beira de rio.


Do livro Procissão de Encontros

©2022 – Todos os direitos reservados. Permitida a divulgação, desde que citada a autoria.

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