EDUCAÇÃO BRASILEIRA NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO
- Maria Isabel Gomes de Matos
- 20 de out. de 2022
- 6 min de leitura
Atualizado: 28 de set. de 2024
Crônica de Yone Passaglia Gomes de Matos, publicada no jornal Degrau em julho de 2003.
Sem entrar no mérito da globalização– que aos países pobres proporciona pequenas vantagens e grandes perdas, tornar-nos ora emergentes ora subemergentes – o fato é que não podemos fugir à realidade de sua presença no cotidiano da roda viva da vida.
A globalização age como força avassaladora, atingindo todos os setores das atividades humanas. Determina rumos à cultura, à educação, à economia, à política. Enfim, a tudo o quanto diz respeito ao cidadão.
Na verdade, somos todos coparticipantes, de forma passiva ou ativa, sob a determinação do Poder dominante. No imenso salão circular universal somos forçados a dançar sob a batuta dos mesmos maestros, que regem a orquestra em ritmos diferenciados para cada grupo. Alguns, leves como plumas, parecem dançar um balé sob a inspiração dos clássicos. Outros, pesadamente presos ao chão, dançam na cadência do cateretê. Mas ninguém pode abandonar o salão. Isto porque, como seres gregários, temos de viver em sociedade, na interdependência de nossos semelhantes.
Embora a realidade da "aldeia global" tenha-se inicialmente apresentado como algo promissor a essa convivência, não é o que ocorre. O ser humano não evoluiu no sentido da humanização, da solidariedade, da compreensão, da fraternidade. O homem continua a ser "o lobo do homem".
O veículo mais importante da globalização é a mídia, com destaque para a televisão, acessível até às classes mais pobres. Por meio dela, estamos em permanente contato com o mundo de hoje, quase no momento em que os fatos ocorrem. Quando bem orientada, torna-se um elemento imprescindível à educação, divulgando conhecimentos, ampliando a visão ética, fazendo-nos viajar por todos os rincões do mundo. Infelizmente, há o outro lado da moeda. De acordo com a orientação que recebe, torna-se elemento de desagregação da sociedade e passa a servir a interesses escusos. O destaque está na violência, na criminalidade, de tal forma que os bandidos são transformados em verdadeiros heróis. A transferência de um detento "importante" torna-se assunto nacional, veiculado por todos os meios de comunicação. Há uma inversão total de valores.
No entanto, não há como nos mantermos distantes dos órgãos de divulgação. Precisamos estar em dia com os grandes avanços da ciência, da cultura e das artes. Se alguém não acompanha os noticiários tem a impressão de que está fora do mundo em que vive. Assim, para escaparmos das influências maléficas, torna-se necessário aprender a selecionar as informações, driblando aquilo que nos horroriza, que nos traz indignação e desalento, sob pena de ficarmos em permanente depressão existencial.
Com toda essa evolução e com a tecnologia atingindo níveis nunca imaginados, era de se esperar que a formação dos cidadãos seria incentivada e a educação aperfeiçoada. Não é o que se vê. Não é o que se ouve. Pelo contrário. Nota-se o empenho na destruição dos valores morais, na inescrupulosa divulgação de fatos – um autêntico sadismo em fazer escândalos, desde que haja sensacionalismo e lucro financeiro. Aplaudem-se em altos brados projetos que aparentam ser excelentes, mas são efetivamente danosos, como alguns que permeia a educação pública. Um deles é a proibição da repetência nos bancos escolares.
Alegam que a repetência desestimula o aluno, causando evasão escolar. Mas o que acontece é que
o aluno tornou-se relapso, não estuda, não executa as tarefas, não ouve o professor. Aliando a negligência ao desrespeito aos mestres, o rendimento torna-se praticamente nulo. E, ano após ano, acabam por chegar à Faculdade. Ainda agora surge a notícia alarmante da criação de turmas especiais para alunos que já terminaram o ensino básico e são analfabetos – chamados analfabetos funcionais.
Não é de estranhar que a educação brasileira ocupe um dos piores lugares na classificação mundial.
Enquanto algumas escolas particulares de nível fundamental e médio se esmeram em tentar enriquecer o cabedal de conhecimentos de seus alunos, as escolas públicas caíram em completo descrédito, para desalento dos pais que não contam com recursos financeiros para manter seus filhos no ensino privado.
Quanto ao ensino superior, observa-se o seguinte: as universidades públicas absorvem em sua maioria os alunos oriundos das escolas particulares ou confessionais. Quanto às faculdades privadas, algumas se preocupam com a qualidade do ensino. E a Fumec se destaca neste quesito. Entretanto surgiu, infelizmente, o "negócio" do ensino superior. Escolas que absorvem alunos completamente despreparados, como recentemente ocorreu numa faculdade do Rio de Janeiro que aprovou no vestibular um rapaz totalmente analfabeto (mal conseguia escrever seu nome).
Focalizando a questão do ensino fundamental e médio, sem nenhum saudosismo – simplesmente na evidência dos fatos – a escola do passado era eficientíssima. Em especial as escolas públicas, que eram muitas vezes preferidas às particulares.
O que aconteceu? Com tanta tecnologia e divulgação de informações, com tantos recursos audiovisuais, era de se esperar que os jovens de hoje fossem super-alunos. No entanto, os meninos de antigamente, ao terminarem o 4º ano primário, deixavam a escola preparados para a vida (muito mais preparados do que os alunos que terminam hoje o ensino médio, nas escolas públicas e mesmo em muitas das escolas particulares).
Na lição das fábulas, apreendiam as questões filosóficas que envolvem a vida humana. Sabiam escrever cartas, redigir telegramas, cartões e ofícios; estavam habilitados a resolver qualquer problema das quatro operações, sistema métrico decimal, frações decimais e ordinárias, juros simples e compostos, regras de três, etc. Conheciam os direitos e deveres dos cidadãos. Praticavam educação física. Aprendiam desenho e trabalhos manuais. Recebiam noções práticas de higiene e alimentação. Além das noções básicas de geografia regional e mundial e de história do Brasil, o sentimento cívico era desenvolvido, com o enaltecimento de grandes brasileiros, o que tornava as crianças autoconfiantes nas suas possibilidades pessoais e do país. E, acima de tudo isso, aprendiam a pensar, ao ler e compreender os diversos textos das antologias repletas das melhores vozes da literatura nacional. Tudo isso em 4 horas de aula e deveres de casa.
Terminado o 4º ano primário, o aluno que desejasse continuar seus estudos, tinha que prestar exame de admissão para o ginásio.
O ensino ginasial era ministrado com a maior seriedade. Os professores dos ginásios eram como catedráticos. No caso da escola pública, submetiam-se a um dificílimo exame de suficiência. Os alunos, por sua vez, tinha de se desdobrar no estudo dos diversos ramos do conhecimento. Além de se aprofundarem no estudo de Língua Pátria, estudavam Francês e Latim, História Geral e História do Brasil, Geografia Geral e do Brasil, Matemática, Álgebra, Geometria. O estudo das ciências se desdobrava em Biologia, Física, Química e História Natural. Havia aula de trabalhos manuais, canto, desenho geométrico e artístico. E permeava o ensino o respeito mútuo, o respeito pelos mestres, o respeito pela pátria, o respeito pelo conhecimento.
Afinal, o que ocorreu? Será que as crianças de ontem eram mais inteligentes e capazes que as de hoje? É claro que não. Hoje acordam mais cedo para a vida e para os estudos, mas caminham em passo de tartaruga. Têm muita informação, pouca formação e quase nenhuma orientação e estímulo para o aprofundamento em qualquer ramo de estudo. Alguma coisa está muito errada.
Não adianta colocar todas as crianças e adolescentes na escola e fazer-se uma estatística espetacular nesse aspecto se os jovens não estão aprendendo nada. É um verdadeiro faz de conta. Os alunos fazem de conta que estudam, os professores fazem de conta que ensinam.
Ser professor, antigamente, era alta dignidade. Hoje temos o operariado do ensino composto, infelizmente, em grande maioria, de profissionais mal preparados. Aparentemente, a questão é de salário, uma vez que os professores ganham mal. Mas há aí uma contradição: os professores sempre foram mal-remunerados. No entanto, tinham o respeito da comunidade. Se não havia a recompensa financeira para um trabalho sempre tão árduo, havia o reconhecimento da sociedade pela figura dos professores, que se impunham como detentores de saberes. Idealistas, sentiam-se extremamente gratificados com o resultado do trabalho essencial que executavam: conduzir crianças e adolescentes pelo mundo do pensamento, do conhecimento e dos valores morais.
Qual é o quadro de hoje? Os mestres, atingidos pelo desrespeito, abandonam a profissão. Os alunos são automaticamente promovidos apenas por tempo que ocupem na carteira escolar.
Acrescenta-se agora mais uma preocupação: a distribuição de cotas nas universidade. Ou seja, alunos despreparados, alguns analfabetos funcionais desde que saídos da escola pública, deverão entrar para a universidade sem processo avaliatório. É um raciocínio às avessas. Em vez de trazer qualidade às escolas de ensino fundamental e médio, obrigarão as faculdades a reduzirem a qualidade do seu ensino, ao absorverem enorme quantidade de alunos sem preparo. Essa linha de ação despreza a formação profissional Que médicos, advogados ou engenheiros teremos? Praza aos céus que não se instale um novo e hediondo círculo vicioso, que ocasionaria maus alunos, maus professores, maus profissionais...