EX-VOTOS – Santino Gomes de Matos

A sala acanhadinha dos milagres

está que não pode mais de ex-votos.

Ex-votos humildes, da devoção e da fé dos humildes.

Caricaturas.

A menina a quem sarou o dente

ofereceu ao Senhor do Bonfim

uma bochecha de pau, inchada e feia.

Há chagas em pernas de madeira,

anatomicamente condenadas, impossíveis.

Panarícios em dedos grossos, tingidos de vermelho.

Olhos hediondos, trabalhados em caracas de cajazeira.

São as dádivas pobres dos corações ricos de confiança.

O Senhor do Bonfim passou pelos becos da miséria

e nos seus braços de cruz havia lugar para todos.

Sarou as dores do corpo e sarou as dores da alma.

Abriu clareiras no mau caminho dos vícios.

Estendeu escadas de Jacob aos perdidos da Vida.

E os olhos se enxugaram,

e as angústias adormeceram pacificadas,

e os soluços vieram menos magoados da cavidade dos peitos.

As vielas de lama se aclararam e um vento manso, refrescante,

abrandou a febre alta das grandes provações desamparadas.

Das mãos de cravos do Senhor do Bonfim

caiu a saúde dos doentes,

caíram bênçãos, consolações e esperanças,

sobre um mundo de infelizes.

Por isso mesmo a salinha dos milagres está que não pode mais de ex-votos.

Também quero provar o meu agradecimento.

Os meus joelhos quase nunca se têm vergado ao chão, humilhados e contritos.

Os meus punhos quase nunca me hão batido no peito no mea culpa do arrependimento.

Os meus lábios enferrujados nos ditos profanos e insensatos

quase nunca têm leveza para a prece.

Mas eu sinto que a minha alma se aconchega e repousa

nos braços estendidos do Senhor do Bonfim.

Eles que já carregavam tantas penas,

carregaram também o peso dessa angústia,

que me assalta, irreprimível,

quanto contemplo os monturos da Vida.

Pretendia oferecer um ex-voto ao Senhor do Bonfim,

que passou num andor, de cabeça descaída sobre o peito,

mas o velho fabricante de imagens escalavradas

não soube como se representava uma alma

nas toscas figurações da madeira.

Que pena!

Do livro Vozes Íntimas

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