EXAME DE CONSCIÊNCIA – Santino Gomes de Matos
- Maria Isabel Gomes de Matos
- 11 de jul. de 2022
- 2 min de leitura
Atualizado: 28 de abr.
Ainda me lembra a sacristia
com rosas espiando da janela
e, nas paredes, quadros de aquarela,
cujo latim não entendia.
Ao Sr. Cura, ia dizer pecados,
(que pecados, meu Deus!) com toda contrição.
E ao ver os braços de Jesus, chagados,
o remorso dos grandes criminosos
vivo nos meus olhos lacrimosos,
enchia de punhais meu coração.
As leves mentiritas, os enredos que fazia à mamã.
E o Sr. Padre, ouvindo-me os segredos:
– Cuide, meu filho, em ter uma alminha sã.
– Olhe que o mundo é lobo da virtude!
– Desgraçado daquele que na vida com a vida se ilude!
Rodou o catavento do Destino.
Ácido prússico de todo sentimento,
o Mundo corroeu minha alma de menino,
matou-lhe as emoções, emudeceu-a toda,
com a força má com que enferruja o tempo,
ao badalo feliz de um feliz sino,
que só cantava a batizado e a boda.
Hoje, entro, às vezes, os domínios assombrados
da minha consciência, do meu "eu",
e relembro, um a um, os meus pecados,
em busca do menino que morreu.
A sacristia, o padre João da Glória,
as jarras, com florinhas amarelas,
tudo encontro no fundo da memória,
em nítidas, perfeitas aquarelas.
Mas, agora, já grande devedor,
que diferença das angústias santas
daquela contrição, daquela dor!
Mirrou-me o coração, como fenecem plantas
com carunchos e brocas na raiz.
A sacristia, o padre João da Glória
de calva oleosa e de sobrepeliz,
se soubessem agora a minha história
e vissem que foi feito do menino
que contava a tremer o seu "pecado"!
Ora, de certo, o Sr. Cura já morreu.
A imagem da igrejinha à distância se apaga...
Nada me resta já do que fui eu
senão a aspiração estranha e vaga
de um justo que queria ainda ser réu!
Do livro Procissão de Encontros
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