FIM – Santino Gomes de Matos
- Maria Isabel Gomes de Matos
- 8 de jul. de 2022
- 1 min de leitura
Atualizado: 25 de jan. de 2024
Será então de tarde.
O crepúsculo aveludará o meu quarto,
entrando leve, esgueirando-se pelas frinchas da porta.
Não verei o meu último pôr de sol.
Não saberei que o meu último dia
se faz treva no horizonte e treva nos meus olhos.
O Universo irá ficando cada vez mais distante.
Cada vez me resumirei mais em mim.
As minhas mãos hão de fazer o último gesto quase subjetivamente,
porque serei, então, a única realidade possível.
Os sentidos já terão perdido as antenas para a vida.
Captam ondas de atmosferas e de mundos diferentes.
As vozes humanas já não me impressionam os ouvidos.
As formas humanas são sem forma para os meus olhos.
Será então de tarde.
Sinos indiferentes andarão cantando no ar,
e no ar também andarão as asas crepusculares das corujas.
Se as visse talvez sentisse medo da morte,
medo do escuro que vai limbando as minhas pupilas.
As asas abanando moles, abanando fofas,
como se anestesiassem o meu cérebro,
onde o vácuo a pouco e pouco se faz...
Mas não ouvirei os sinos.
Não verei os voos azeitados dos mochos.
Só o veludo da tarde, dentro do meu quarto,
se fará cada vez mais macio
e eu irei imergindo nele, suavemente,
quase que numa volúpia de sono,
sem medo da noite,
pois a noite foi feita para se dormir.
Do livro Vozes Íntimas
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