top of page

GEORGES DE CHIRRÉ JARDIM

  • Maria Isabel Gomes de Matos
  • 6 de out. de 2023
  • 3 min de leitura

Atualizado: 11 de out. de 2024


"Céu Deposto


Se eu houvesse posto em letras de forma o que li, entendi e apreciei no livro de Santino Gomes de Mato, Céu Deposto, no mesmo tempo em que o devorei da primeira à última página, de há muito que teria dito "muito obrigado" à oferenda tão generosa do relicário poético que, em feliz instante do mês de abril, me chegou às mãos.


Mas, por espírito de autojulgamento, fui me abstendo de qualquer manifestação externa ou jornalística a respeito, guardando só para mim o prazer dos instantes que passei na companhia de mais um amigo: o livro. Temi que de apreciador (crítico, jamais) eu passasse a apreciado (criticado), por haver alçado acima da 'sola do sapato'... Porque a minha 'literatura' é bem outra, pelo menos para uso externo, ainda que reconheça que basta um pouco de sensibilidade para sintonizarmos com as emoções alheias e reconhecê-las nas linhas de um verso ou nas notas de uma composição musical.


O difícil está, às vezes, em traduzir da forma adequada, com as palavras próprias, o resultado real, a impressão objetiva que uma sinfonia em letras ou em sons deixou em nossa alma. Eis a razão precípua do meu silêncio até este instante, envolto no embevecimento das imagens poéticas do autor e temeroso de trazer à orquestra liricamente harmônica das rimas o desafinamento de minha palavra desautorizada.


Entretanto, como o indivíduo mirando-se no espelho do alheio pensamento procura encontrar ali os reflexos de suas próprias ideias, tentaria anotar aqui as afinidades ideológicas ou idealísticas que encontrei na poesia de Gomes de Matos e que se constituíram em uma das múltiplas razões da minha sintonia apreciativa.


Em toda arte há uma ideia e em toda ideia um pedaço de nós mesmos. E Santino vai revelando sua alma de escol na quadra paternal de Maravilha Suprema, para entrar nas elucubrações nostálgicas da terra distante, em Trono de Baleia, Alma do êxodo ou Terra do Coração. Há revolta social nos seus dois Natais, o 'do morro' e o do 'grã-fino'. E há sociologia nos versos que ao pai dedica. Faz-se céptico em Cansaço, filósofo em Sino da Eternidade e Covardia. Percebe-se algo de biográfico em Solilóquio e um extravasamento de revolta e ironia em Lança de Absalão.


Pinta quadros e conta folclore, faz humorismo (Os Anjos da Guarda) e brinca de rimar. Mas em tudo há estética, há beleza, há principalmente inteligência e coração. Porque o coração é o motor do poeta (não o é da vida?) e a gente só diz e só escreve bem aquilo que vem do âmago de nós mesmos, daquela cousa imponderável que se chama alma.


E é por isso que a poesia de Gomes de Matos, ontem (Oração dos Humildes, Procissão de Encontros) como hoje (Céu Deposto), como em todas as vezes em que deixou falar o homem de pensamento e sensibilidade, é boa, é bela, é acessível, é tocante, agradando a quantos o leem.


A Arte – e a Poesia é uma delas – não carece de interpretação, a ela lhe basta a capacidade emocional humana. Ou não é arte, porque não espelha a vida. E dentro da irmandade da sincronia do sentir universal todos podem dizer o que pensam, com as palavras que têm.


É o que estou fazendo, meio canhestramente, para agradecer a Gomes de Matos haver superestimado os meus méritos literários, oferecendo a minha apreciação o seu livro encantador."


Artigo publicado no "Lavoura e Comércio" em 21 de maio de 1962

Georges de Chirrée Jardim (Uberaba, 3 de novembro de 1914 – 31 de dezembro de 1971). Advogado, promotor público, juiz municipal, professor de medicina legal e direito penal, respectivamente nas faculdades de Medicina e de Direito em Uberaba. Membro honorário da sociedade de peritos médicos do Brasil, membro da Sociedade Brasileira de Criminologia e do Instituto dos Advogados do Triângulo Mineiro. Orador, jornalista e escritor. Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro, com vasta obra, colaborou intensamente na redação e foi diretor do "Lavoura e Comércio".







bottom of page