O MENINO DA VELHA BELA – Santino Gomes de Matos
- Maria Isabel Gomes de Matos
- 11 de jul. de 2022
- 2 min de leitura
Atualizado: 26 de jan. de 2024
Fui o último afago de amor
que a velha Belarmina levou deste mundo.
Por ter ninado o meu primeiro sono,
anichou-me, apaixonadamente,
no coração octogenário.
Mas veio o choro e o vazio de uma longa ausência.
A velha Bela, muitas vezes, fazia os braços em berço,
para ninar o vento,
ninando saudades minhas.
Ai, diziam que já estava caducando!
Não lhe saía de dentro da cabeça de carapinha branca
a lembrança do "meu menino",
não se delia na sua retina embaciada
a imagem minúscula do "afilhado de apresentação".
Escureceu-a a treva absoluta dos olhos,
paralisaram-na as juntas duras do reumatismo
e prostrou-se, definitivamente, na velha rede encardida.
Fazendo tudo pela mão dos outros,
só uma chama luzia em sua treva,
só uma esperança remetia o seu desespero:
embalar novamente o "meu menino", "meu afilhado de apresentação".
Três anos se passaram.
Que sabia eu de mim, ainda tamanino?
Mas o destino sabia dos anseios da velha Bela.
Era preciso pôr uma réstia de consolo
no canto de rede em que se encolhia,
mumificada em vida.
E vi-me ferido de moléstia incurável,
que pedia a volta ao sertão,
à cidadezinha dos meus avós,
onde a velha Bela me esperava,
para poder morrer.
Fui o último afago de amor que levou do mundo.
Tomou-me nos braços secos,
ninou-me aconchegado à tábua do peito ossudo,
como no dia em que nasci.
E me viu na imaginação,
rolando as pupilas apagadas,
à procura das lágrimas de consolação,
que mal brotavam das fontes extintas dos olhos mortos,
– me viu são e belo como um anjo da guarda,
como o anjo da guarda que a acompanhou no voo do céu,
horas depois.
Tudo isso foi história contada.
Não me lembro da velha Bela.
Não me lembro da pessoa para quem fui sempre perfeito,
o mimo da beleza e da graça,
numa sarça ardente de amor,
que lhe coloriu todo o poente da vida.
Do livro Procissão de Encontros
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