O PAÍS QUE SAIU FORA DO MAPA – Santino Gomes de Matos
- Maria Isabel Gomes de Matos
- 11 de jul. de 2022
- 2 min de leitura
Atualizado: 26 de jan. de 2024
Mestre João Antônio, que é feito do Brasil?
Do Brasil que o senhor nos ensinava,
entre barricas de bacalhau, no fundo da sua bodega,
à esquina da Rua do Meio?
– Qual o rio maior do mundo?
– E a cidade mais bela?
– E a baía mais vasta?
– E a laranja mais doce?
– E o café melhor?
– E o céu mais belo?
– E o país mais rico e melhor do mundo?
Mestre João Antônio, como o senhor ficava orgulhoso
em ser professor numa terra como o Brasil,
que era a primeira em tudo, entre as primeiras!
Se o senhor nos perguntasse também:
– Qual o professor mais sábio do mundo?
Se o senhor nos perguntasse,
nós diríamos que era o senhor, Mestre João Antônio,
que ensinava o "ipsilone" entre barricas de bacalhau,
estalando bolos em nossas mãos.
Porque o meu Brasil encantado, nesse tempo,
se resumia em mestre João Antônio
(a realidade maior de todas as realidades),
na banda de música do Zé de Medeiros
e na "descida do bicho" do Cafumbé,
que, pela manhã, sorteava um número
e o fazia subir, dentro de um bauzinho de folha,
até a ponta de uma vara,
fincada bem no meio da "Rua Grande".
– Qual o banqueiro mais forte do mundo?
Se o senhor nos perguntasse, nós diríamos que era "Seu" Cafumbé,
puxando um cordel e fazendo descer o "bicho",
entre uma multidão de curiosos
que, à tardinha, iam aferir o valor dos palpites.
O Brasil maravilhoso para mim era isso
e mais a lapinha de Joana Cabeça,
que disputava com a do Zezinho Corcunda
os elogios e as preferências do boticário.
E a adoração do Senhor do Bonfim, às sextas-feiras.
E as corridas de cavalos, aos domingos,
com apostas até de dez mil réis.
– Cavalo preto partiu!
O "mão grossa", do padre vigário, era o maior corredor da freguesia.
O Chico Lucena dizia que era o cavalo melhor do clero.
Mestre João Antônio retrucava:
– Sim, mas no sentido figurado.
E nós, meninos, nos embasbacávamos, sem entender.
Mestre João Antônio, o Brasil que o senhor nos mostrava,
em forma de pera, saiu de dentro do mapa.
Cresceu, estendeu-se por esse mundo afora.
Complicou-se de problemas.
Já não cabe dentro das frases feitas.
É tão diferente do que o Sr. nos dizia!
Mas parece que o hino nacional que eu trago na alma
ainda é o que o Zé de Medeiros tocava, completamente embriagado, no dia dos exames!
Do livro Procissão de Encontros
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