ORAÇÃO DOS HUMILDES – Santino Gomes de Matos
- Maria Isabel Gomes de Matos
- 11 de out. de 2022
- 1 min de leitura
Atualizado: 24 de jan. de 2024
Venha a canção áspera e rouca
que rebenta do peito tostado dos jangadeiros,
toda vibrada em bordões.
O mastro da jangada,
enrolado no lençol branco da vela murcha,
é como um círio apagado de um culto morto.
Os pescadores cantam para as vagas,
para as garças marinhas, para a noite,
que vai vestir o seu vestido mais lindo, de gata borralheira.
Venha a canção dos jangadeiros do mar.
Venham cantigas da beira do rio,
das lavadeiras que deixaram em casa os filhinhos e os ninam de longe,
de peitos amojados, com uma voz intraduzível de mães ausentes.
Venha a modinha da moça tísica da fábrica,
que aproveita uns restos de pulmão cantando, cantando, cantando,
para despedir-se da vida ainda com seu sonho.
Venha, na noite quente,
a amargura bandoleira dos boêmios,
nas serenatas de violão, de cachaça e de cadeia.
Venham os pregões automáticos dos vendedores ambulantes,
a discurseira infame e ridícula dos camelôs e a cantilena monótona dos cegos,
numa lamúria geral, que passa um contrabando de dor à piedade alheia.
Venham todas as vozes humanas de sofrimento humano e real.
Penetrem o meu coração e vibrem nos meus lábios,
que eu quero rezar alto a oração dos humildes.
Do livro Oração dos Humildes
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