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"CAJADOS DE SÃO JOSÉ" – Santino Gomes de Matos

  • Maria Isabel Gomes de Matos
  • 11 de jul. de 2022
  • 1 min de leitura

Atualizado: 26 de jan. de 2024

Os "cajados de São José" floriam na praia ribeirinha.

E era aquele luxo de flores do mato,

na paisagem familiar dos banhos matinais,

que me enchia os olhos de poesia.


Ninguém tocava nas flores sagradas.

Reservavam-se para as novenas de março,

na sala grande do sítio de meu avô.

As velas de carnaúba amoleciam em lágrimas de cera preta,

defronte do oratório de pau, com imagens de gesso.

No centro da mesa, o Santo Patriarca.

E por entre as lambidas das chamas incertas,

que o vento espichava e diminuía,

a seu capricho,

os "cajados de São José" amarelavam,

no ouro sujo da cor.


Quem cantava eram as velhas todas da vizinhança,

com vozes e almas de incrível antiguidade.


Em dado momento, São José começava a fugir aos meus olhos.

Os santos todos perdiam a nitidez,

esbatendo-se contra a parede enfeitada de ramos.

Eu passava a cochilar um cochilo gostoso de sono de criança

e as cantigas já vinha de uma lonjura de eco.

Apenas alguns farrapos de realidade, aqui e ali,

comprometiam a paina macia do meu mundo de sonhos.

Tão embriagantes os velhos benditos das velhas centenárias!


As chamas bêbedas das velas ajudavam a dormência,

que me invadia suave, anestesiante,

na sala cheia de rico fartum humano

disfarçado pelo cheiro de alfazema das roupas de festa.

"Pelo sinal da santa cruz..."


Depois de recolhidas as vozes fantasmas

nas almas fantasmas das velhas centenárias,

paizinho puxava as rezas do fim.


E os meus olhos, restabelecidos à vigília,

viam toda a glória dos santos e dos anjos,

no ouro sujo dos "cajados de São José",

com uma nota de claridade superior

a enriquecer o espetáculo da novena caseira.


Do livro Procissão de Encontros

©2022 – Todos os direitos reservados. Permitida a divulgação, desde que citada a autoria.


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