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SELO DE HUMANIDADE – Santino Gomes de Matos

  • Maria Isabel Gomes de Matos
  • 11 de out. de 2022
  • 2 min de leitura

Atualizado: 26 de jan. de 2024


Que ninguém saiba que eu senti o mundo,

que eu marquei a minha alma com um triste selo da humanidade.


Há tanta desgraça nua, aterradoramente nua, se mostrando,

que não vale a pena

vestir de palavras qualquer emoção.

Tenho receio de não ser imenso

como o próprio universo de misérias.

E prefiro ficar perdido dentro de mim,

com essa paisagem de calvários,

que é a safra trágica de uns olhos de amor

para um coração doente do sentimento da Vida.

A minha ternura é desencorajada e triste,

porque me envergonho de uma esmola de alma tão pequena.


Há noites tão longas, de longos pavores,

que a minha vigília jamais as alcança.

A cruz que eu pus no peito,

por intenção dos afogados de todos os climas,

de todas as raças,

não passa de uma vocação inútil de inútil sensibilidade.

Continuarão os órfãos a povoar os caminhos do abandono.

E as mãos das viúvas dos que morreram para salvar a riqueza dos ricos

e o poder dos poderosos

continuarão a tarefa dos trabalhos desenganados,

nas agonias intermináveis

da fraqueza que não consegue ser força.


E por onde errará esse sonho de moço,

suspenso na vida,

traído na morte,

que não chegou a viver e não chegou a morrer,

exalado num anseio para longe,

antes da parada brutal do coração?


Quem herdará tanto grito e tanto soluço,

para lhes dar um corpo sólido de reivindicações,

em nome da justiça dos pequeninos, dos anônimos,

dos sacrificados nos imensos sacrifícios coletivos,

como manadas de animais inconscientes?


Quem velará com um coração maior do que o meu

sobre um mar de angústias infinitas,

que pulsa em vagas contínuas e fortes,

batendo nas praias de todos os continentes,

perturbando a claridade de todos os ecos,

violentando a terra e violentando os céus?


E ainda há quem durma o sono indiferente dos grandes ócios!

E ainda há quem explore a vida cansada

dos que suam e entisicam no trabalho.

E ainda há quem não preste ouvidos à voz surda de trovão,

que vem dos subterrâneos do mundo!


Afinal de contas,

quem sabe se a pauta dos destinos, que eu vejo torta,

não tem mesmo um traçado retilíneo

para os que não adoeceram, como eu,

de um forte sentimento da vida

e não marcaram a alma

deste terrível selo de humanidade.


Do livro Procissão de Encontros

©2023 – Todos os direitos reservados. Permitida a divulgação, desde que citada a autoria.


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