TOQUE DE DESPERTADOR – Santino Gomes de Matos

O vento que traz a chuva

do outro lado do monte,

também traz uma saudade

do outro lado da Vida.

Esperem aí!

Deixem-me ver se consigo o encontro dessa lembrança.

Somente sei tatear de olhos fechados

e a passos lentos,

como quem busca uma sombra maior

entre tantas sombras confusas.

O vento que traz a chuva

do outro lado do monte,

também traz uma saudade

do outro lado da Vida.

Eu tinha uma tarde igual a esta,

com a minha janela escancarada

para um horizonte de cinzas.

E este mesmo ventinho de anunciação,

de advento da chuva que vai cair,

fazia caminho entre os meus cabelos,

com uns dedos desfeitos de cafuné.

A tarde era uma luta humana de desespero,

do agonizante que se agarra à vida com as últimas resistências de força,

com os derradeiros vislumbres do olhar,

a fim de arrastar para dentro de si

ainda um pedaço de mundo.

E a tudo se impunha o desejo de permanência da tarde,

que relutava contra o seu destino de trevas.

Os raios de sol andavam retidos nas folhas das árvores,

na poeira das ruas,

na cornija das casas e nas asas das andorinhas

e, só a custo, conseguiam libertar-se,

para a fatalidade do ocaso.

Mas eu não pensei nada disso, naquele momento.

Foi a tarde de hoje

que me trouxe o sentido esquisito daquela tarde.

Eu mudo, eu perplexo, eu abúlico,

bem me recorda que fiquei para ali,

sem espírito e sem gesto,

enquanto todas as coisas, derredor de mim,

lutavam pela posse do sol.

E já me parece, agora,

que aquela fora a minha oportunidade de combater,

de empunhar a minha lança de quixote

e partir em busca de mundos de luz

que nunca mais se ofereceram aos meus olhos.

O vento que traz a chuva

do outro lado do monte,

também traz uma saudade

do outro lado da Vida.

Naquela tarde, se eu tivesse despertado...

Que falta faz na Vida

um toque de despertador!

Do livro Procissão de Encontros

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