UM DIA ASSIM – Santino Gomes de Matos
- Maria Isabel Gomes de Matos
- 11 de out. de 2022
- 1 min de leitura
Atualizado: 26 de jan. de 2024
Um dia assim, crepuscular e vago,
dolente, reclinado em plumas e veludo,
tem, para mim, a sugestão de um lago,
de águas polidas, como espelho mudo.
Faz-me lembrar castelos desfeitos,
quietações de paz,
quando a alma ingênua me afofava leitos
de ternuras e crenças virginais.
E contemplando o adejo breve
de asas boêmias de andorinha,
saudades mando ao tempo leve,
em que sentia igual à minha,
a alma da flor, a alma do vento,
no voo azul de um pensamento.
Manchas de sol – são hóstias puras,
viúvas de lábios,
viúvas de altar –
desmaiam langues, pelas alturas,
cheias de castos,
tristes ressábios, a se pagar.
A névoa cai, desfeita em véus,
para o noivado da colina.
Mas quanta mágoa, em terra e céus,
envolve a gaze da neblina!
Que frieza em tudo
e que martírio
o das flores expostas, no jardim!
Um cacto feio, espinescente e rudo,
se irmana ao sonho manso desse lírio,
numa alma compreensiva, quase afim.
Num dia assim, triste, dorido,
todo mistério e em compunção,
vaga-me n'alma, também perdido,
um sol de sonhos, como este sol
encapuzado de algodão.
Do livro Procissão de Encontros
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