top of page

VENTO DO MORRO – Santino Gomes de Matos

  • Maria Isabel Gomes de Matos
  • 11 de out. de 2022
  • 1 min de leitura

Atualizado: 24 de jan. de 2024

O morro calvo sonha,

na tristeza sem par dos aleijões sem cura.

Contempla o cimo verde da montanha,

que canta, na esperança da verdura,

e sente que, em seu seio, traga apenas

a tristeza do luto e da orfandade,

a fome, a dor, as indizíveis penas,

que sofrem caridade.


Já teve outrora cardos, teve espinhos,

que o fogo devorou.

E a ilusão das flores e dos ninhos,

em renovos, também lhe palpitou.


Até que certo dia, vida nova,

mas estéril, mas triste e dura e crua,

foi-lhe subindo, aos poucos, a corcova,

em má pilhéria de arremedo a rua.


A primeira tapera, num insulto

de mancha à luz solar,

ergueu o espetro triste do seu vulto,

como um chorão de palhas a chorar.


Em torno, outras cabanas se postaram,

com aspecto sinistro de emboscada,

e ao choro da miséria se agacharam

na terra escalavrada.


Veio, depois, a procissão dos trapos.

Encheram-no muletas e bastões,

e a ironia cruel da voz dos sapos

juntava-se ao clamor das maldições.


E na impotência de cobrir de sombra tanta nudez!

E sem poder arrebentar alfombra para cansados e doridos pés!

Sem água ou fruto, ou gorjear de ninhos,

sem nenhum conforto que pudesse ofertar aos pobrezinhos;

revoltado, terrível, o humilde horto,

– ei-lo que passa no raivar do vento,

– ei-lo que gira em turbilhões de pó,

doido, a dançar, por entre mil lamentos,

que resume num só:

atira sobre a pompa da cidade,

ao seu lado, orgulhosa, indiferente e má,

a poeirada de toda a iniquidade

que no seu ventre está.


Do livro Oração dos Humildes

©2023 – Todos os direitos reservados. Permitida a divulgação, desde que citada a autoria.



bottom of page