Yone – A família (pais, antepassados)
- Maria Isabel Gomes de Matos
- 10 de jun. de 2024
- 11 min de leitura
Atualizado: 16 de abr.
Os Passaglia
Giacinto Luigi Passaia, pai de Yone, nasceu em 22 de julho de 1871, em Trevenzuolo, Verona, Itália. Veio para o Brasil com 17 anos, acompanhando seu pai, Carlo Passaia (então viúvo, com 54 anos), seus irmãos Elisa (11 anos) e Ângelo (24 anos), que trazia a esposa, Virgínia (17 anos). Giacinto faleceu em 25 de julho de 1925, quando Yone tinha apenas 11 anos.
Segundo a descrição de Yone e dos demais irmãos, Giacinto era um homem alto, elegante, quase sempre em terno e gravata, de olhos muito azuis, de voz mansa. Um trabalhador incansável, excelente negociante. Embora rígido e exigente, como eram os pais da época,
Yone recordava-se de que ele gostava de reunir as crianças ao seu redor, à noitinha, após o jantar, para falar da Itália e suas belas paisagens, rememorar episódios de sua infância e adolescência, descrevendo as alegres reuniões familiares de domingo, especialmente no inverno, com a neve, bem como para recontar a viagem épica empreendida – a família aventurando-se pelo mar com destino a terras e gentes desconhecidas.
Um dos episódios mais tocantes, narrados por Giacinto à filhinha caçula, Yone, referentes à sua partida da Itália para o Brasil, dizia respeito ao "fio de lã". Era costume, nos portos de embarque italianos, naquele período da grande emigração, muitos dos passageiros segurarem a ponta de um fio de lã, enquanto algum parente, no cais, segurava a outra ponta. Quando o navio partia, o fio se estirava até arrebentar. Era o símbolo da esperança do reencontro: cada qual manteria o pedaço de fio de lã guardado até que pudessem estar juntos novamente. Giacinto dizia ter guardado seu fio de lã até quando teve a certeza de que não conseguiria rever seus amados parentes: nem ele voltaria à Itália, nem eles viriam para o Brasil.
Os pais de Giacinto (avós paternos de Yone) eram Carlo Passaia e Luísa Perobelli Passaia.
Carlo e Luísa se casaram em Trevenzuolo, Verona, Itália, em 28 de fevereiro de 1857, onde se estabeleceram e criaram sua família. Carlo, aos 54 anos, inconsolável com a perda da esposa e inconformado com a crise econômica e social em que estava imersa sua querida terra natal, tomou a decisão de “fazer a América”, em busca de melhores oportunidades, especialmente para seus filhos. Portanto, a família vendeu tudo o que possuía e partiu.
Viajaram no vapor Fortunata R. Aportaram em Santos (SP), em 24 de outubro de 1888.
(Arquivo público do Estado de São Paulo, livro 014, página 108, família 732.)
Pode-se imaginar a saga. Aqueles navios a vapor, sem qualquer facilidade para os passageiros, sem assistência médica, levavam em torno de 40 dias ou mais para atravessar o oceano.
Giacinto relatava a seus filhos essa aventura, ao final bem sucedida. Dizia do navio desconfortável, com seu apito rouco, a despertar a emoção que estava no coração e estampada nos rostos de todos – uma tristeza resignada, pela emigração, que significava separação. Afinal, os italianos, tão apegados às suas famílias e à sua terra, estavam deixando para trás suas raízes. Mas Giacinto enfatizava também que o mar era tranquilo, espraiando um ar fresco e diáfano, como que insistindo em trazer bons presságios – uma aragem que era símbolo da esperança quanto ao futuro, a ser construído no país de horizontes largos que os acolheria.
Os pontos de desembarque eram no Rio de Janeiro ou em Santos. Os portos brasileiros de então, especialmente o de Santos, eram muito precários, sujos, desordenados, muitas vezes tomados por epidemias, por isso a primeira impressão para os que chegavam não era nada agradável.
Do porto de Santos, no qual chegaram os Passaia, os recém-chegados eram embarcados em um trem para São Paulo, onde eram encaminhados à Hospedaria dos Imigrantes.
Os estrangeiros recebiam documentos brasileiros, que os identificavam como imigrantes, para seguir para o interior, na maior parte das vezes. Parece que foi naquele momento de sua aventura que os Passaia se transformaram em Passaglia.
O sobrenome da família era Passaia. No entanto, as autoridades brasileiras alteraram o sobrenome deles para Passaglia. Além disso, mudaram a grafia do nome de Giacinto para Jacyntho e eliminaram o seu segundo nome: Luigi. A alegação das autoridades era de que havia a obrigatoriedade de adaptação dos nomes estrangeiros à língua portuguesa e à grafia conhecida pelos funcionários, os quais, autoritários e talvez pouco preparados para a tarefa, procediam às alterações sem muito critério, a seu alvedrio. Assim, a família, uma vez que precisava da documentação, não tinha alternativa, a não ser aceitar a imposição.
Os italianos vinham para trabalhar, determinados a se esforçar arduamente para a realização de uma vida digna e próspera. A promessa que tinham era a de que o Brasil seria um país de oportunidades para todos os que quisessem trabalhar com afinco.
Aqueles que chegavam subsidiados pelo governo brasileiro já tinham destino determinado para a zona rural. Para os que vinham com recursos próprios, eram-lhes apresentados os possíveis postos de trabalho, em sua maior parte também nas fazendas, que urgentemente necessitavam de agricultores.
Carlo e família inicialmente cogitaram, portanto, habilitar-se como agricultores. Embora não trabalhassem como agricultores na Itália, sabiam cultivar uvas com muita eficiência. Entretanto, ao enfrentar o clima brasileiro e conhecer as fazendas paulistas, que em grande parte cultivavam café, tomaram outra decisão. Em razão de terem alguma reserva financeira, optaram por se dedicar ao comércio, instalando-se na cidade de Pedreira, no interior do Estado de São Paulo.
Carlo prosperou logo, pois, com sua habilidade de comerciante, conseguiu dar ênfase a produtos importados, atuando seu comércio como pequena casa de revenda. Era proverbial a “saudade dos sabores de casa”, sentida pelos italianos, naquele período de grande imigração. Isso gerava demanda contínua de produtos originários da Europa: vinhos, azeites, entre outros. Os filhos trabalhavam com ele, ampliando os negócios.
A família Passaia (Passaglia) adaptou-se rapidamente, destarte, à pequena cidade paulista, afeiçoando-se de imediato ao Brasil. Todavia, jamais deixaram de cultivar seu amor pela Itália, mantendo tradições e costumes de seus antepassados, o que foi legado às gerações seguintes.
Giacinto já estava há algum tempo no Brasil quando chegou à cidade uma nova família italiana. E foi durante a missa de um domingo que ele avistou pela primeira vez Izabel Poppi.
Século XIX. Naquela época, o primeiro cuidado de um rapaz educado, ao se encantar com uma senhorita, era não tentar fitá-la ostensivamente. Um olhar insistente comprometeria a situação aos olhos atentos do pai da mocinha. Não obstante esses cuidados, desde a primeira troca discreta de olhares entre Giacinto e Izabel, iniciou-se, sob as bênçãos angelicais, uma linda história de amor.
Izabel infelizmente ficou viúva muito nova, mas até bem velhinha relembrava carinhosamente Giacinto, sempre concluindo, saudosa, suas memórias, com um breve suspiro: "o melhor dos maridos!".
Os Poppi
A mãe de Yone, Izabel Poppi, nasceu em Bagnolo San Vito, Mantova, Itália, em 15 de março de 1876, e faleceu em Uberaba (MG), Brasil, em 17 de junho de 1966.
Os pais de Izabel (avós maternos de Yone) eram Francesco Poppi e Carolina Zavanella Poppi. Carolina tinha uma apelido familiar: Aldegonda.
Francesco e Carolina se casaram e se estabeleceram. Havia, porém, uma intensa crise econômica e social assolando a Itália, o que tornava a vida muito difícil para todos.
A Itália do século XIX enfrentava muitos problemas.
Resumidamente, eis a situação da época. A Áustria dominou a Itália por quase 50 anos e, durante esse período, dividiu o País em pequenos estados. A unificação somente ocorreu em 1861, após intensa luta. Foram décadas de guerras sangrentas, que trouxeram mortes e destruição. A tão esperada proclamação do reino da Itália ocorreu, portanto, em uma situação nada favorável: desordem social, crise econômica sem precedentes, com um agravante – a dificuldade da integração, uma vez que a maior parte dos italianos falava dialetos regionais. Além disso, havia a promessa de distribuição de terras e recursos. Entretanto, o rei recém-empossado não cumpriu esse desiderato.
À vista disso, logo após a unificação, surgiu um movimento de resistência, denominado “banditismo”. No caos econômico-social reinante, com a fome instalada em várias regiões, formaram-se bandos de rebeldes, constituídos por bandidos, soldados de exércitos locais derrotados e camponeses iludidos pelos malfeitores. Esses grupos armados passaram a roubar, a destruir e a queimar aldeias por toda a Itália. O banditismo desapareceu após 1870, mas deixou um rastro ainda maior de pobreza e insegurança. Foi nesse ambiente que se iniciou o grande período de emigração. Agricultores, artesãos, pequenos comerciantes, frustrados com a integração do País, perderam a esperança de melhoria de vida em sua terra. A emigração começou rumo a países vizinhos e posteriormente se transformou na grande evasão transoceânica.
Já antes de 1876, amigos e parentes de Francesco Poppi haviam deixado a Europa e mandavam notícias alvissareiras do novo continente. Imbuído desse espírito aventureiro, Francesco decidiu também “fazer a América”, na busca de um futuro promissor para a família. Contudo, seu destino inicial não foi o Brasil. Optou pela Argentina, para onde naquela ocasião se transferiam famílias de vizinhos que, como eles, tinham crianças pequenas.
Francesco, seus pais, sua esposa e seus filhos (Izabel e Luigi, gêmeos, então com dois meses de idade), desfazendo-se de tudo o que possuíam, empreenderam a jornada. Depois de uma longa viagem, a família instalou-se em Buenos Aires, onde logo se adaptaram.
Francesco dedicou-se com árduo esforço ao ramo de comércio que dominava – panificação e confeitaria –, prosperando rapidamente e possibilitando vida farta à família. Além de Izabel e Luigi, os outros filhos eram: Maria, Carolina, Ângela, Hugo e Rosita.
O tempo passava, tudo corria bem, sem maiores atropelos para os Poppi na Argentina: os filhos crescendo, o trabalho recompensando. Entretanto, parentes de Francesco, que viviam no interior de São Paulo, escreviam enaltecendo o Brasil, comparando nosso País ao paraíso terrestre e mostrando-se muito saudosos dos familiares. Insistiam para que se transferissem para cá. Família – bem maior para os italianos! Assim, Francesco tomou a decisão: embarcaram para essa nova aventura. Partiu com seus pais, esposa e filhos. Depois de uma longa jornada, estabeleceram-se em Pedreira (SP), reunindo-se aos familiares.
No entanto, Francesco não se adaptou ao Brasil. Não gostou do clima e não se acostumou com a vida rotineira na pequena cidade do interior. Pode-se imaginar a dificuldade de adaptação, pois saíra de Buenos Aires, uma capital ao estilo europeu, bem estruturada, com oportunidades crescentes para seu tipo de comércio, com boas escolas para os filhos. Logo, depois de algum tempo, Francesco decidiu retornar com a família à Argentina.
Nessa ocasião, as irmãs Izabel e Maria, duas moças muito belas, já tinham pretendentes apaixonados. Francesco aprovava os futuros genros, também imigrantes italianos, mas deixou às filhas o direito de decidir: casavam-se, ficando no Brasil, ou retornavam com o restante da família para Buenos Aires. Difícil decisão para as meninas, uma vez que eram muito apegadas aos avós, aos pais e aos irmãos.
O amor falou mais alto. Maria Poppi casou-se com Dante Sartini. E, em 19 de novembro de 1892, Izabel Poppi, à época com 16 anos, casou-se com Jacyntho Passaglia (Giacinto Luigi Passaia).
Izabel jamais voltou a ver seus avós, pais ou irmãos, que partiram para a Argentina logo após o seu casamento. Toda a comunicação com eles, daí para frente, foi feita por cartas, que levavam muitos meses para chegar ao seu destino. Izabel falava da ternura de sua mãe e do carinho de seus avós. Sabia, de cor, muitas histórias que eles lhe contavam quando criança, certamente contos da tradição italiana, os quais ela, mantendo o costume, gostava de narrar aos netos.
Francesco era um homem vibrante, inesquecível, de personalidade marcante, segundo Izabel. Tenor, tinha excelente voz e gostava, no ambiente familiar, de cantar óperas. A família toda tinha o dom da música. Luigi era violinista. Rosita tornou-se renomada harpista e casou-se com o maestro e pianista espanhol Santiago Alonso. Santiago e Luigi fundaram, em Buenos Aires, um conservatório, “Alonso & Poppi”, que se tornou bem conhecido, porém Luigi faleceu jovem ainda. Carolina, Ângela e Hugo constituíram famílias estruturadas e bem estabelecidas na Argentina.
Apesar da saudade dos familiares, as duas italianinhas, Izabel e Maria, foram felizes em seus casamentos e gostavam imensamente do Brasil.
Um adendo: os italianos chegavam ao País em busca de uma vida digna e próspera para a família, contando com a vontade inquebrantável de dedicar-se ao trabalho árduo. Não se poupavam ao sacrifício do labor e, com iniciativa, sempre procurando evoluir, logo se tornavam pequenos proprietários de terras, pequenos industriais, ou então se especializavam, iniciando novas carreiras, como a de jornalista, por exemplo.
Muitos se transformaram em grandes comerciantes e industriais. Em 1907 já havia em São Paulo 56 indústrias de sobrenome italiano. A despeito do começo humilde, iniciando às vezes uma pequena fábrica de massas, embutidos ou outro produto, na própria casa, o trabalho dava frutos e levou muitos deles a serem empresários de renome nacional, cujas indústrias de sucesso persistem até os dias atuais.
O conhecido industrial Matarazzo é um belo exemplo dessa realidade, porquanto não principiou de forma diferente. Chegou ao Brasil com esposa e dois filhos e, inicialmente, trabalhou como mascate. Algum tempo depois, abriu uma "venda", posteriormente uma fábrica de banha, e, empenhando-se paulatinamente em outros empreendimentos até tornar-se um ícone nacional, tendo contribuído de forma expressiva e inquestionável para o desenvolvimento industrial do País.
Um grande homem!
Outro exemplo emblemático é o de Giuseppe Martinelli. Emigrou para o Brasil em 1893, desembarcando no Porto de Santos. Começou como açougueiro em São Paulo. Fazendo-se por si mesmo, em árduo trabalho e empreendendo pouco a pouco, construiu uma das maiores fortunas do Brasil, tendo sido empresário extremamente bem-sucedido no ramo da construção civil e navegação. O famoso Edifício Martinelli, por ele construído, foi o primeiro arranha-céu de São Paulo.
Com efeito, os historiadores comprovam que os imigrantes italianos tiveram um papel preponderante no processo de industrialização de São Paulo, conforme dados concretos dessa realidade.
Em 1962, Luiz Carlos Bresser Pereira (https://eaesp.fgv.br/sites/eaesp.fgv.br/files/pesquisa-eaesp-files/arquivos/bresser_-_empresarios_suas_origens_e_as_interpretacoes_do_brasil_.pdf) procedeu a uma pesquisa científica sobre as origens étnicas das 204 indústrias então existentes em São Paulo, cujas fábricas empregavam mais de 100 funcionários. Desses empresários, 84,30% tinham origem estrangeira, sendo em sua maior parte italianos. Por isso, ao contrário do que se ensinou ideologicamente nas escolas, os empresários industriais paulistas originaram-se, em sua preponderante maioria, não nas famílias oligárquicas ligadas ao café, mas nas famílias dos imigrantes de classe média, particularmente nas famílias italianas.
Diante disso, pode-se inferir que se Francesco Poppi tivesse permanecido um pouco mais no Brasil, transferindo-se para a capital paulista, por exemplo, talvez houvesse se adaptado ao nosso País, alcançando a mesma prosperidade que encontrou na Argentina.
Um registro importante:
Quero deixar registrado meu carinho a todos os descendentes de Giacinto e Izabel. Somos muitos. Além de nós três, filhos de Yone e Santino, Maria e Angelino tiveram dois filhos, Mercedes e Ermete. Já Raymundo e Irene Lopes Passaglia, bem como Celeste e Zaíra Frugeri Passaglia, tiveram muitos filhos.
Minha mãe foi muito próxima dos irmãos e sobrinhos, desde criança, e essa convivência afetuosa, intensificada pelas afinidades que encontraram em meu pai, estendeu-se por toda a sua vida.
Pela diferença de idade, muitos de meus primos foram como "tios" para mim, e meus primos de segundo grau, como primos-irmãos. Não vou citar seus nomes, por questão de privacidade. Entretanto, para homenageá-los, vou fazer breve referência, sem maior identificação, a apenas quatro desse primos queridos, que marcaram afetuosamente minha infância e adolescência, e com os quais mais convivi: Odete, Antônio, Guiomar (filhos de tio Celeste) e Wilson (filho de tio Raymundo), estendendo no nome deles minha homenagem a todos.
Wilson foi o filho de tio Raymundo que mais conviveu conosco. Wilson, Teresinha e filhos, particularmente estimados por meus pais (e por mim também, claro), sempre foram referência desse lado da família. Teresinha tinha ainda maior afinidade com minha mãe por temperamento e por dons artísticos.
Dos filhos de tio Celeste, Odete e seu marido, Laudelino, embora morando em outra cidade, eram presença constante na Bernardo Guimarães. Cultivaram uma amizade sólida e permanente com meus pais e um relacionamento de real afeto com todos nós.
Tonico e sua esposa, Marina, conquanto não fossem muito a Uberaba, insistiam amiúde em nos convidar à sua cidade e à sua casa, onde nos recebiam com alegria e extremo aconchego.
Com tia Guiomar, seus filhos e netos passei a conviver mais assiduamente assim que me transferi para Belo Horizonte, uma vez que ela aqui residia desde que se casou e permaneceu, mesmo depois de viúva. Quando minha mãe, Yone, veio para BH, ela e Guiomar tinham sempre tanta coisa a relembrar e a celebrar. Que doçura estar com as duas em suas tardes de encontro.
A toda esta nossa linda família italiana, deixo de presente os relatos deste site, com as referências a nossos valorosos antepassados italianos, que legaram para nós seu exemplo de fé, coragem, determinação, realizações, valores e princípios morais, como um fio invisível de afeição sempre pronto a nos unir.