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Yone – O exemplo de vida

  • Maria Isabel Gomes de Matos
  • 4 de jun. de 2024
  • 5 min de leitura

Atualizado: 16 de mar.

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Yone era uma fonte inesgotável de ternura, de acolhimento, e dominava uma arte rara: a "arte da escutatória", na linguagem de Rubem Alves, ou seja, sabia escutar, e, depois de ouvir, se lhe pediam opinião, tinha sempre uma palavra sábia e inspirada a orientar.

 

Yone foi um exemplo de filha, de irmã, de esposa, de mãe, de amiga, de cidadã, conforme

tantos emocionantes testemunhos. Ao dizer isso, pode parecer algo "sacrificado", triste. Não, pelo contrário, tudo lhe era simples e natural. Era a filha alegre, a irmã confidente, a esposa apaixonada e amorosa, a mãe carinhosa e divertida, a amiga presente, a cidadã engajada.


Como cidadã, Yone atuou nas lides do jornalismo e nas ações sociais. Sempre modesta e discreta, na imprensa, como Diana de Lyz, defendia os valores familiares e cristãos, bem como as causas dos menos favorecidos; nas ações sociais, ainda mais discreta, seguindo talvez aquela orientação de Jesus "que a mãe esquerda não saiba o que direita faz", quanto bem plantou, quantos ajudou.


Como esposa, foi a companheira serena e afetuosa de todas as horas, apoio em todos os projetos e desafios, mas foi também a musa inspiradora do poeta Santino.


Como mãe, que honra, que privilégio, que felicidade ser sua filha! Quando nasci, minha mãe já entrava na maturidade. Mas nossa diferença de idade nunca foi algo perceptível para mim.  A jovialidade sempre foi sua característica. Sua energia era de permanente dinamismo, de resiliência otimista, de positividade e bom humor.

 

Yone tinha uma personalidade que aliava delicadeza e firmeza. Jamais a vi levantar a voz, entretanto suas palavras eram sempre ouvidas e consideradas.  Exigia muita disciplina dos filhos, mas com tamanha doçura que não havia espaço para se ficar contrariado: obedecíamos alegremente.  Presente em tudo em nossa vida, jamais nos tolheu a liberdade de pensar ou decidir, apenas, abertas as perspectivas diversas, apresentava sua opinião sábia e sensata. Ela nos criou com raízes sólidas, mas deixando nossas asas livres para voar, a fim de realizarmos o plano divino que cada alma tem estabelecido quando vem à terra. Essa postura, especialmente diante de todos as perdas que permearam sua vida, foi realmente notável.

 

1975: a grande prova

 

A morte violenta e súbita do primogênito, Cleômenes, aos 30 anos, seguida, 40 dias depois,

do falecimento de seu amado Santino, quase fizeram Yone sucumbir. Mas, com uma coragem inaudita, aos poucos, ancorada na fé, degrau a degrau, as fibras de seu espírito superior a reergueram.

 

Passados os primeiros tempos de luto e de profunda tristeza, embora mantendo sempre sua independência emocional, sem enveredar para qualquer tipo de vitimismo, firmou-se em dois pilares para esse processo de reerguimento: a fé – desdobrada em oração e também em ação, pela ajuda ao próximo, e a arte – transformada em terapia. 

 

Com efeito, dedicou-se com ainda mais empenho às ações sociais, intensificando em especial

a sua ajuda voluntária ao Instituto dos Cegos do Brasil Central. Colocando-se a serviço e conseguindo ajudar pessoas em situações difíceis, dando amplitude ao seu sentimento maternal, o seu coração foi reforçando-se em resiliência.


Ao mesmo tempo, tomou a arte como terapia. Sempre fora extremamente hábil com as mãos,

no crochê, no tricô, no bordado, na culinária. Mas decidiu dali em diante experimentar a pintura. Os seus primeiros quadros a óleo traduziam toda a tristeza de suas perdas irreparáveis. A seguir, passou um tempo dedicada a pintar flores, quadros lindos em óleo e em aquarelas.


Posteriormente, descobriu-se excelente pintora em porcelana.  Algum tempo depois de suas peças começarem a se tornar conhecidas, atendendo ao pedido de amigas, abriu um ateliê, em sua casa, passando a ministrar aulas de pintura em porcelana. A antiga sala de aula do Prof. Santino transformou-se no ateliê de Yone.


Assim seguia a vida.

 

Eu, morando em Belo Horizonte, como sentia falta de minha mãezinha. Todas as férias, todos os feriados, lá estava eu na Bernardo Guimarães, e sempre insistindo para que ela viesse morar perto de mim.

 

Entretanto, somente depois do falecimento de minha tia Adelina (que era resistente à mudança de cidade), ela decidiu experimentar a capital mineira.  Ter a presença de minha mãe novamente perto de mim – não tenho palavras para descrever esta dádiva.

 

Todos devemos gratidão às nossas mães, pois nos trazem à vida. Mas a minha gratidão transborda muitas vezes multiplicada a de qualquer filha. É que, além de me possibilitar, junto de meu pai, a melhor das infâncias e das adolescências, minha mãe praticamente me trouxe à vida pela segunda vez, quando veio morar comigo em Belo Horizonte. Confesso que não sei como teria sido sem ela aqui naquele momento.

 

Mas é importante ressaltar que, embora a sua transferência para Belo Horizonte tenha consubstanciado para mim apoio moral e espiritual insubstituíveis, ela criou, ao mesmo tempo, para si própria, uma nova vida. E pasmem: ela tinha 80 anos quando chegou à capital!

 

Yone adaptou-se de imediato à vida agitada de BH.  Integrou-se à Universidade da Terceira Idade da Fumec, que frequentou por 10 anos. Fez muitas amizades, que perduraram até o fim de sua vida, e voltou a escrever. Estava sempre atualizada com o momento presente, inclusive sobre os acontecimentos político-sociais. Tornou-se em BH praticante diária de Tai-Chi-Chuan.

 

Sempre lúcida, sempre serena, sempre doce, nunca ouvi um único murmúrio, uma única reclamação dela, em toda a sua vida.  Cada dia, para ela, era um presente de Deus.

Creio sinceramente que os seres de quinta dimensão são assim exatamente como ela!


Vaidosa, sem extremos, tinha em si as marcas do tempo, mas a pele suscitava elogios permanentes de tão alva e fresca, os cabelos sempre cuidados, as roupas escolhidas

com esmero, as unhas e o batom sempre em tons de rosa clarinho, ela envelheceu jovem, magnificamente.


Talvez porque pulsasse nela um coração amoroso e compassivo, uma mente alerta e atenta, uma permanente vontade de aprender e de colaborar, posso afirmar com convicção que Yone

foi jovem até os 92 anos de  idade, quando súbita e suavemente partiu, deixando um vazio impreenchível em minha alma e eterna saudade.

 

O exemplo edificante de Yone Passaglia Gomes de Matos continua a resplandecer e a apontar nortes para todos os que com ela tiveram o privilégio de conviver. Por isso, sinceramente, desejo que a história de sua trajetória, resumida neste espaço, possa inspirar vida plena, coragem e alegria a quem ler estas páginas.


Para finalizar, leio o último texto redigido por Yone, publicado poucos antes de sua partida.


CANÇÃO DO AMOR UNIVERSAL

Yone Passaglia Gomes de Matos


Haverá o dia em que poderei buscar minha inspiração fora de mim.

Não mais me perderei no vasto oceano do meu Eu.

E só terei olhos para as coisas belas da vida,

pois não mais verei os andrajosos, os famintos.

Não mais verei as crianças maltrapilhas

e as velhinhas de faces maceradas

a bater de porta em porta.

Ignorarei os perversos, os infiéis, os perjuros.


Um mundo novo se abrirá diante de mim:

Só luzes, só flores e perfumes.

Ali as criancinha serão fortes e coradas.

As velhinhas terão o seu lugar ao sol,

aconchegadas, protegidas, amparadas.


Haverá uma névoa azul e perfumada de felicidade,

pois os maus, os egoístas serão transmutados na "graça",

e a guerra, o ódio, a dor estarão desterrados para sempre.


Nesse dia, minha alma se banhará transfigurada

na luz do amor universal.










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